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Imagem: Allée à Chantilly (Cézanne, 1888, detalhe)
Imagem: Allée à Chantilly (Cézanne, 1888, detalhe)
Imagem: Allée à Chantilly (Cézanne, 1888, detalhe)

Luís Araujo Pereira em Espirais Professor e escritor | Publicado em 1 de dezembro de 2019

Luís Araujo Pereira
Professor e escritor
01/12/2019 em Espirais

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Hora morta

Naquele fim de tarde, estava sentado debaixo de um pé de cedro, admirando a profusão de flores que se distribuíam em canteiros geométricos segundo um princípio que tentava compreender – canteiros que se espalhavam por toda a área do parque, variando de vez em quando essa ordem cartesiana.

O verde brilhante e notável das folhas, porém, insistia em atrair a sua atenção, pois o seu verniz refletia vários matizes e provocava-lhe uma curiosidade de difícil resposta: a cor verde é percebida por todas as pessoas do mesmo modo? Além dos inúmeros canteiros que abrigavam flores, havia ainda plantas de valor medicinal e afrodisíaco, sobre as quais nada sabia dizer do efeito terapêutico.

Nesse momento, teve a impressão de que aquele magnífico jardim público, àquela hora da tarde, pulsava com volúpia. Insetos riscavam o ar como perturbados pela luminosidade, pelo calor, pelo aroma e pelas cores. Na incansável primavera, cada árvore, cada planta, cada flor, cada sebe – tudo parecia atordoar os sentidos. Talvez por causa desse conjunto alucinante, ele a viu como se ela tivesse saído de um dos contos de Hoffmann, mais flutuando que andando.

Pontualmente, ela se aproximou vindo da entrada sul, a mais deserta, a menos suspeita. Ele a reconheceu sem hesitar: a descrição que tinha recebido dizia que “uma mulher esplêndida” iria levar um exemplar do abominável Necronomicon, de Abdul Alhazred, o árabe louco. Um livro que reúne os mitos de Cthulhu. Esse último exemplar fora surrupiado, não se sabe quando, da Universidade de Mistkatonic.

A mulher era de fato incomum e caminhava com a confiança dos felinos. Se outras mulheres menos convincentes, que se dizem modelos, a vissem desfilando diriam, com inveja atroz:

“É uma fada própria dos jardins – aquela que jamais seremos um dia” – e depois renunciariam à pretensão de imitá-la.

Por um instante, pensou que a mulher pudesse tornar-se o seu amor de primavera. Como sátiro que não tem o que fazer, fantasiou corpos nus, ofegantes, trêmulos pela lascívia – e esse desejo cegou-o e obnubilou a sua guarda, mesmo sabendo que ele estava ali não só para receber a preciosidade literária, mas também para proteger o seu contato.

Quando afinal ela se sentou ao seu lado no banco, ele disse quase sussurrando a frase que perturbava o seu espírito e traduzia um desespero recém-adquirido, que vivenciou numa piscada, como uma epifania:

“Você é a mulher com a qual sempre sonhei”.

Ela sorriu, sem demonstrar nem piedade nem interesse – e respondeu:

“Acho que você, como os anteriores – todos vocês chegaram tarde. Eu sou apenas a portadora, aquela que…”

Antes de ela concluir a frase, o assassino saiu de trás de uma árvore e atirou com gosto.

Ele só escapou das balas porque se jogou incontinenti debaixo do banco enquanto a linda mulher escorregava gelatinosa ao seu lado, mortalmente atingida. Ele não chegou a ver o fulgor dos seus olhos se extinguir, nem conseguiu, muito menos, pegar o pacote que ela lhe trazia porque foi obrigado a se proteger, sem tempo de sacar a arma. Totalmente fracassado, rastejou como um réptil pelo declive e abrigou-se entre arbustos que ficavam dentro de uma saliência. Não pudera proteger a mulher porque tudo acontecera muito rápido. Naquela organização em que estava atolado até o pescoço, o risco era o mesmo para todos os agentes.

Além do mais, como acabara de deduzir, a portadora era o alvo.

Durante algum tempo, para o seu consolo, ele ficou quieto ali entre a vegetação e os caramujos, escutando sem querer, com a cabeça prostrada no chão, a pulsação da Terra.

Quando julgou que o perigo tinha passado, galgou cautelosamente o terreno como um verme, rastejando de modo vergonhoso.

Ao atingir a altura do banco no qual estivera recentemente, não viu o corpo da mulher em lugar nenhum. Nada constatou ali que indicasse um atentado. Nem mesmo rastros ou pegadas e, mais estranho, nem manchas de sangue. Tudo lembrava uma mise en scène, para a qual não tinha ainda elaborado hipóteses.

Só as flores, os insetos e os pássaros, naquela parte do jardim, testemunharam uma operação bem-sucedida de execução e limpeza.

De acordo com o programa que tinha de seguir – caso ocorresse algum imprevisto indesejável no recebimento da encomenda –, dirigiu-se em seguida para a entrada leste do imenso jardim público. Encontrou o banco marcado – que agora ficava debaixo de um carvalho – e sentou-se para esperar durante meia hora.

Se ninguém aparecesse com uma mensagem ao fim desse período, ele deveria retornar ao seu posto, num bairro periférico, e aguardar novas instruções – que sempre chegavam às horas mortas – escritas dentro  de um envelope cujo sinete que o lacrava incutia temor nos sábios mais cautelosos.

Tag's: Abdul Alhazred, crônica, Cthulhu, Luís Araujo Pereira, narrativa, Necronomicon, Universidade de Mistkatonic

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Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

2 comentários em “Hora morta”

  1. EVANDRO F COSTA disse:
    2 de dezembro de 2019 às 10:30

    Fantástico! O desejo de não fosse apenas uma crônica, de ser um livro inteiro com mais horas para continuar a ler e degustar o que, na perfeição dos detalhes de uma cena única, arrebatou a mim… seduzido pelo prazer da leitura. Uau!

    Responder
  2. Luís Araujo Pereira disse:
    3 de dezembro de 2019 às 22:16

    Muito bacana o seu comentário. Agradeço. Abraço.

    Responder

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