A terceira edição do Projeto Ensaios, projeto cuja finalidade é colocar em diálogo a produção filosófica acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios ilustrados, chega ao fim com algumas novidades. Acolhido desde 2020 por Ermira Cultura na coluna Matutações, a cada fim/início de semestre o projeto publica ensaios filosóficos produzidos, na sua maior parte, por jovens estudantes de graduação. Naturalmente ampliado, o projeto passou a publicar ensaios filosóficos de estudantes de pós-graduação e chega à sua terceira edição publicando agora também ensaios de pesquisadores doutores.
Além da ampliação de autores, Ensaios ampliou também seu formato. A presente edição será fechada com a tradução, assinada por André Carone, de sete pequenos poemas, cada um de autoria específica, com temas diversos.
Por que afinal não “matutar” ensaios, traduzindo poemas?
Weiny César Freitas Pinto (coordenador do Projeto Ensaios)
Os amantes, outra vez
J.W. Goethe (1749-1832), dramaturgo, romancista, pensador e ensaísta, foi um dos principais nomes da cultura e da literatura da língua alemã
Por que volto ao papel uma vez mais?
Essa pergunta, amada, não precisas fazer.
É verdade, nada tenho para dizer
Mas tua bela mão tem meus sinais.
Como não posso partir, o que ele traz
Meu coração inteiro irá carregar:
Um querer, ansiar, sofrer, encantar
Que não começa nem finda jamais.
Não quero falar do meu dia
Do desejo, sonho e fantasia
Que transportam meu coração repleto:
Em frente a ti por fim eu estaria,
Sem nada a dizer. O que eu diria?
O meu viver estaria completo.
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Die Liebende abermals
Johann Wolfgang von Goethe
Warum ich wieder zum Papier mich wende?
Das mußt du, Liebster, so bestimmt nicht fragen:
Denn eigentlich hab ich dir nichts zu sagen;
Doch kommts zuletzt in deine lieben Hände.
Weil ich nicht kommen kann, soll, was ich sende,
Mein ungeteiltes Herz hinübertragen
Mit Wonnen, Hoffnungen, Entzücken, Plagen:
Das alles hat nicht Anfang, hat nicht Ende.
Ich mag vom heutgen Tag dir nichts vertrauen,
Wie sich im Sinnen, Wünschen, Wähnen, Wollen
Mein treues Herz zu dir hinüberwendet.
So stand ich einst vor dir, dich anzuschauen,
Und sagte nichts. Was hätt ich sagen sollen?
Mein ganzes Wesen war in sich vollendet.
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Quando números e figuras
Novalis, pseudônimo de Georg Philipp Friedrich von Hardenberg (1772-1801), poeta e filósofo do Romantismo Alemão
Quando números e figuras
Não mais decifrarem as criaturas,
Quando a voz e a afeição
Mais souberem do que a erudição,
Quando o mundo sem correntes
Regressar à vida presente,
Quando outra vez o claro e o escuro
Irmanarem-se no brilho puro,
E a poesia e as cantigas
Estamparem as histórias antigas,
Da palavra secreta irá se abrir
Todo o avesso do existir.
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Wenn nicht mehr Zahlen und Figuren
Novalis
Wenn nicht mehr Zahlen und Figuren
Sind Schlüssel aller Kreaturen
Wenn die, so singen oder küssen,
Mehr als die Tiefgelehrten wissen,
Wenn sich die Welt ins freie Leben
Und in die Welt wird zurück begeben,
Wenn dann sich wieder Licht und Schatten
Zu echter Klarheit werden gatten,
Und man in Märchen und Gedichten
Erkennt die wahren Weltgeschichten,
Dann fliegt vor einem geheimen Wort
Das ganze verkehrte Wesen fort
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Balada da vida exterior
Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), poeta, dramaturgo e ensaísta nascido no Império Austro-Húngaro
E nas crianças cresce o olhar fundo
Que nada sabe, cresce para morrer,
E os homens seguem pelo mundo.
E a fruta amarga que ganhou sabor,
Queda no escuro como pássaro que desfalece
E repousa no dia até perder sua cor.
E outro vento sopra e desvanece,
E continuamos a ouvir e a falar,
E sentimos prazer e fadiga no corpo que fenece.
E ruas cortam os gramados, e um lugar
Surge aqui ou ali com archotes, lagos, recantos
Soturnos, desertos mortos e sem ar…
São construídos para quê? E quantos
um dia foram iguais? Pode-se contar?
O que move os risos, os assombros, os prantos?
De que nos serve esse brincar
De sermos grandiosos e sós,
Errantes que não buscam o seu findar?
De que serve tudo o que se viu?
E quem falasse “noite” muito diria,
Uma palavra que escorre melancolia
Como o mel espesso de um favo vazio.
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Ballade des äußeren Lebens
Hugo von Hofmannsthal
Und Kinder wachsen auf mit tiefen Augen,
die von nichts wissen, wachsen auf und sterben,
und alle Menschen gehen ihre Wege.
Und süße Früchte werden aus den herben
und fallen nachts wie tote Vögel nieder
und liegen wenig Tage und verderben.
Und immer weht der Wind, und immer wieder
vernehmen wir und reden viele Worte
und spüren Lust und Müdigkeit der Glieder.
Und Straßen laufen durch das Gras, und Orte
sind da und dort, voll Fackeln, Bäumen, Teichen,
und drohende, und totenhaft verdorrte…
Wozu sind diese aufgebaut? Und gleichen
einander nie? Und sind unzählig viele?
Was wechselt Lachen, Weinen und Erbleichen?
Was frommt das alles uns und diese Spiele,
die wir doch groß und ewig einsam sind
und wandernd nimmer suchen irgend Ziele?
Was frommt’s, dergleichen viel gesehen haben?
Und dennoch sagt der viel, der „Abend“ sagt,
ein Wort, daraus Tiefsinn und Trauer rinnt
wie schwerer Honig aus den hohlen Waben.
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A palavra dos homens me causa espanto
Rainer Maria von Rilke (1875-1926), nascido na cidade de Praga à época do Império Austro-Húngaro. Poeta e prosador de língua alemã
A palavra dos homens me causa espanto.
Eles dizem tudo com tanta precisão:
Isso se chama casa, aquilo se chama cão,
começa aqui e termina no outro canto.
E me assombra o seu tino, o dom da ironia,
eles sabem o que foi e ainda será;
a paisagem não os encantará;
deixam Deus entre dança e dia.
Afastem-se: é o meu sinal e aviso forte.
De uma coisa quero apenas a melodia.
Vocês a apalpam, ela está muda e fria.
Vocês levam as coisas à morte.
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Ich fürchte mich so vor der Menschen Wort
Rainer Maria Rilke
Ich fürchte mich so vor der Menschen Wort.
Sie sprechen alles so deutlich aus.
Und dieses heißt Hund und jenes heißt Haus,
und hier ist der Beginn und das Ende ist dort.
Mich bangt auch ihr Sinn, ihr Spiel mit dem Spott,
sie wissen alles, was wird und war;
kein Berg ist ihnen mehr wunderbar;
ihr Garten und Gut grenzt grade an Gott.
Ich will immer warnen und wehren: Bleibt fern.
Die Dinge singen hör ich so gern.
Ihr rührt sie an: sie sind starr und stumm.
Ihr bringt mir alle die Dinge um.
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Vocês que assistiam
Nelly Sachs (1891-1970) foi escritora e poetisa alemã de origem judaica
Debaixo de seus olhos aconteceram assassinatos.
Como o olhar que cada um sente pelas costas
Vocês também sentiram no corpo
O olhar dos mortos.
Quantos olhos estilhaçados irão vê-los
Enquanto arrancam de seus esconderijos uma violeta?
Quantos braços erguidos em agonia
Nos ramos trançados pelo martírio
Dos carvalhos antigos?
Quanta memória brota no sangue
do poente?
Ah, os acalantos sem voz
No rufo noturno das pombas –
Se algum deles pudesse descer com as estrelas,
Mas agora quem as traz é velho poço!
Vocês que assistiam
E não ergueram a mão para o crime
Mas não varreram o pó da sua
tristeza
E que ali permanecem, onde o pó converteu-se
em luz.
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Ihr Zuschauenden
Nelly Sachs
Unter deren Blicken getötet wurde.
Wie man auch einen Blick im Rücken fühlt,
So fühlt ihr an eurem Leibe
Die Blicke der Toten.
Wieviel brechende Augen werden euch ansehn
Wenn ihr aus den Verstecken ein Veilchen pflückt?
Wieviel flehend erhobene Hände
In dem märtyrerhaft geschlungenen Gezweige
Der alten Eichen?
Wieviel Erinnerung wächst im Blute
Der Abendsonne?
O die ungesungenen Wiegenlieder
In der Turteltaube Nachtruf –
Manch einer hätte Sterne herunterholen können,
Nun muss es der alte Brunnen für ihn tun!
Ihr Zuschauenden,
Die ihr keine Mörderhand erhobt,
Aber die ihr den Staub nicht von eurer Sehnsucht
Schütteltet,
Die ihr stehenbliebt, dort, wo er zu Licht
Verwandelt wird.
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Precisão
Erich Kästner (1899- 974), escritor, poeta, jornalista e roteirista alemão
Quem tem algo a dizer
sabe o tempo que gasta
e não precisa correr:
Uma linha já basta.
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Präzision
Erich Kästner
Wer was zu sagen hat,
hat keine Eile.
Er lässt sich Zeit und sagt’s
in einer Zeile.
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Mensagem
Ingeborg Bachmann (1926-1973), escritora, tradutora, dramaturga e poetisa austríaca
Dos vestíbulos do céu, que trazem o calor dos cadáveres, aparece o sol.
Não estão ali os imortais
e sim aqueles que tombaram: é o que escutamos.
E a claridade não atenta para a putrefação. Nossa divindade,
a história, nos preparou uma cova
para a qual não existe a ressurreição.
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Botschaft
Ingeborg Bachmann
Aus der leichenwarmen Vorhalle des Himmels tritt die Sonne.
Es sind dort nicht die Unsterblichen,
sondern die Gefallenen, vernehmen wir.
Und Glanz kehrt sich nicht an Verwesung. Unsere Gottheit,
die Geschichte, hat uns ein Grab bestellt,
aus dem es keine Auferstehung gibt.
Confira os dez artigos publicados nesta terceira edição do Projeto Ensaios:
- Sobre a subjetividade contemporânea: uma perspectiva do romance e da filosofia, de Jonathan Postaue Marques e Vítor Hugo dos Reis Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/01/08/sobre-a-subjetividade-contemporanea-uma-perspectiva-do-romance-e-da-filosofia/.
- Por uma introdução crítica e bem informada à obra de Freud, de Caio Padovan e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/01/15/por-uma-introducao-critica-e-bem-informada-a-obra-de-freud/.
- O tempo do desejo, de Vítor H. R. Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/01/22/o-tempo-do-desejo/.
- A clínica analítico-comportamental é espaço para produção de conhecimento científico?, de Vanessa Borri e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/01/29/a-clinica-analitico-comportamental-e-espaco-para-producao-de-conhecimento-cientifico/.
- A arte, mãe do conhecer, de Davi Molina e Vítor Hugo dos Reis Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/02/05/a-arte-mae-do-conhecer/.
- As “humanidades” como fonte de resistência aos regimes autoritários, de Paula Mariana Rech, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/02/12/as-humanidades-como-fonte-de-resistencia-aos-regimes-autoritarios/.
- A “leveza” da violência, de Valdinei Ferreira Nunes e Vítor Hugo dos Reis Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/02/19/a-leveza-da-violencia/.
- Freud e a filosofia: sobre o tema da morte, de Maria Eduarda Rodrigues da Silva e Paula Mariana Rech, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/02/26/freud-e-a-filosofia-sobre-o-tema-da-morte/.
- Alegoria de um relacionamento: a filosofia, as ciências (humanas) e a matemática, de Allison Vicente Xavier Gonzales e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/03/05/alegoria-de-um-relacionamento-a-filosofia-as-ciencias-humanas-e-as-matematicas/.
- Pensar Freud, de Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/03/12/pensar-freud/.