Ao abrir a sexta edição do Projeto Ensaios, Thiago Moura[1], artista e filósofo, concedeu uma entrevista ao Projeto Ágora, na qual ele discorre sobre como ocorreu o seu encontro com a filosofia acadêmica, e fala da sua atuação na área desde então e das contribuições de seus projetos para o ensino de filosofia. Confira:
Thiago, antes de atuar na área da filosofia, você já estava integrado ao âmbito cultural e artístico, trabalhava como ator, fazia performances com palhaçaria, escrevia poesias, entre outras coisas. O que desencadeou sua condução para a filosofia?
Inicialmente, ao trabalhar com arte e poesia, eu tive interesse por uma área específica da filosofia: a estética. Dessa forma, recorri à graduação em Filosofia para me dar a sustentação teórica necessária para desenvolver uma pesquisa sobre teatro e estética da arte/cena. Porém, após ter maior contato com a filosofia, passei a me interessar cada vez mais por outras áreas, como filosofia da psicanálise, da mente e da linguagem. Nesse sentido, percebi que pesquisar algo novo seria mais interessante do que permanecer em um campo que eu já atuava. Considero o teatro e as artes cênicas o inverso da filosofia. Explico: enquanto a arte teatral te incentiva a fazer, a se jogar na cena e não racionalizar demais, a filosofia, por outro lado, te “diz”: reflita, pense e pense novamente. Essa postura filosófica me cativou, de forma que continuei atuando, porém, cada vez mais refletindo sobre o texto, a cena, o palco, a praça e a poesia. Hoje percebo que essas áreas se complementam e podem perfeitamente caminhar juntas.
Você já tem alguns livros publicados de literatura infantil com conteúdo de poesia e, vale lembrar, que são livros reconhecidos e utilizados até mesmo fora de Mato Grosso do Sul. Qual será o conteúdo de suas próximas publicações?
Neste momento, para além da minha dissertação de mestrado, que será publicada junto a dois audiobooks sobre ensino de filosofia, tenho trabalhado em um projeto de filosofia para crianças. Eu acredito que, independentemente da idade, é possível ter experiências filosóficas, mais do que acesso à filosofia ou à história da filosofia. Desse modo, em breve pretendo lançar esse material que já está em fase de revisão. Também tenho escrito poesias sobre os filósofos, recentemente escrevi uma sobre a obra de Nietzsche, que também pretendo lançar em breve.
Mais recentemente você tem trabalhado como professor de filosofia para pessoas cegas e com baixa visão. Conte-nos como foi o momento em que você percebeu que precisava tornar seus livros acessíveis a esse público e como é ensinar filosofia para eles.
Meu trabalho junto a pessoas cegas e com baixa visão iniciou-se com poesia, no Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florisvaldo Vargas (Ismac). Fiz publicações de audiobooks e livros em braile, voltados para deficientes visuais. Após ter maior contato com este público, percebi que no instituto não lhe eram oferecidas aulas de filosofia, ainda que contasse com apoio pedagógico em várias outras disciplinas. Além do fato de que alguns professores que atuam na educação especial acabam por abordar temas como ética ou teoria do conhecimento, por exemplo, sem o devido rigor filosófico exigido pelos temas. Dessa forma, surgiu a necessidade de desenvolvermos um método de ensino de filosofia para deficientes visuais, objeto de estudo do meu mestrado, vinculado ao Programa de Mestrado Profissional (PROF-FILO) na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Para você qual é a relação entre filosofia e palhaçaria?
A palhaçaria, ou arte clownesca (como preferirem), tem uma relação muito forte com diversos aspectos filosóficos. Eu poderia citar aqui os personagens conceituais nas obras de Deleuze e Guattari, ou o próprio Sócrates como um personagem excêntrico e provocativo. Contudo, penso que o conceito grego de eudaimonia, entendido aqui como um estado de plenitude do ser, pode traduzir perfeitamente o estado de espírito de um palhaço. É neste estado que o palhaço opera, cria, brinca e resolve os inúmeros problemas que a ele se apresentam. Faço aqui um parêntese para uma consideração que pode ser importante para aqueles não familiarizados com as artes cênicas, em especial com a arte clownesca. No Brasil, até cerca da década de 1980, alguns defendiam que existia uma diferenciação entre os termos clown e palhaço, de forma que consideravam o clown como um artista cômico que atuava em teatro, em geral mais elegante, ao estilo Charlie Chaplin. Já palhaço, por sua vez, era o nome dado ao artista cômico que atuava na rua e no circo, mais extravagante e espalhafatoso. Contudo, essa tendência não se consolidou, sendo que hoje a diferença entre clown e palhaço é a mesma entre hot-dog e cachorro quente. Voltando à questão, acredito fortemente que a filosofia se torna mais atraente, especialmente para estudantes do Ensino Médio, quando aliada às artes cênicas. Para nós, que já a amamos, ela pode ser uma prática teórica, mas para aqueles que ainda não a conhecem a ponto de amá-la, pode ser apresentada de forma mais envolvente, como através de uma peça de teatro.
“O conceito grego de eudaimonia, entendido aqui como um estado de plenitude do ser, pode traduzir perfeitamente o estado de espírito de um palhaço. É neste estado que o palhaço opera, cria, brinca e resolve os inúmeros problemas que a ele se apresentam”
Para finalizar, gostaria que escolhesse uma de suas poesias e a compartilhasse conosco.
Antes de apresentar a poesia, considero importante uma ponderação: quando digo que trabalho com poesia, não falo somente de poemas escritos. Refiro-me justamente ao sentido original da palavra, ou seja, à poiesis grega, que pode ser traduzida pelo ato de criar, fazer, realizar. Dessa forma, minha criação poética não se resume a poemas, mas está manifesta por meio das intervenções artísticas em ruas, praças, teatros, escolas ou universidades. Também acredito e pratico uma filosofia viva e não somente textual ou teórica. Em outras palavras, acredito na filosofia que chegou até nós através da contação de histórias, como no caso da Ilíada e Odisseia, escritas pelo poeta Homero. Para finalizar, deixo aqui uma provocação: até que ponto Platão teria rompido com a poesia após conhecer a filosofia? Sendo os diálogos platônicos narrados a partir de cenas e personagens, também não seriam histórias poéticas?
ME CONTE UMA HISTÓRIA
Diga pra eu ir logo te ver;
Ou venha você e leia pra mim!
Se encoste e sinta o prazer;
De uma prosa, daquelas sem sim.
Chegue bem perto,
Me conte uma história!
Que tal inventarmos um dialeto?
Pra ele ficar em nossa memória.
Fale da natureza, de uma folha;
Do passarinho que voa no vento;
Da cachoeira, da água, da bolha;
Aí então, eu ouço atento.
Pode ser real ou fictícia;
Ouvir história é uma delícia!
(Do livro SonsNêtos em lua cheia)
Referências
MOURA, Thiago. SonsNêtos em lua cheia. Campo Grande/MS: Life Editora, 2021
[Revisão de Weiny César Freitas Pinto. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
[1] Professor de Filosofia SED/MS e pesquisador. E-mail: thiagomourac@hotmail.com