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Patrícia várias. Não, Patrícias cada uma, todas elas. É uma, muitas Patrícias. A noção de individualidade é uma condição-restrição humana. A plasticidade da plurindividualidade plástica. A unidade múltipla. A subjetividade coletiva. Patrícia muitas tem cada uma sua corporalidade, mas essa separação é puramente objectal. O corpo subscreve sozinho em sua delimitação no espaço, mas, no tempo e no ajuntamento, cada Patrícia dessas é uma, inteiramente todas. Terça-feira à noite, na calada da garagem onde vivem quatro dias por semana, são encontro, encostam no canto. Em silêncio, conversam, cantam. Cada sensação, sentem todas juntas. O mesmo frio da garagem às noites de segunda. O calor arregaçador dos sábados. Todas, quando expostas, enxergam 137 tons de azul. Todas. Uma. Patrícia várias.
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Marta só uma: ao meio. Marta ao meio é inteira. Foi também várias, quando atuou naquela loja do Mega Modas. Desde que trabalha na rua, é ao meio, mas é inteira. Marta gosta quando, depois de retirada da calçada no meio da tarde de domingo, é alocada deitada sobre a estante ao fundo do estacionamento da Rua 67-A. O vento perpendicular da Avenida Leste-Oeste avança para dentro da sua cintura, novos ares lhe percorrem as intimidades. Quanto atuava na loja, tinha deveras mais glamour, mas estava sempre de pé e, jovem, não oferecia entradas para que o ar corresse dentro.
Certa noite de domingo, foi deixada ao léu. Era janeiro. A chuva foi forte, mas a fresta, sendo pequena, custou toda a noite para que a chuva preenchesse de molhado todo seu interior. Marta jamais foi a mesma. Sonha água.
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Traids aprendeu a entender que foi modelada na forma de beleza humana padrão. Não tardou a perceber os olhares, dos fascinantes aos sórdidos. Todavia, é de outra natureza a forma que a corpa manequim recebe o toque. Quando aquele rapaz começou a visitá-la antes do começo da feira, ainda dentro da garagem e tocá-la não com as mãos, mas com o que há por dentro das calças, Traids apenas desfrutava daquelas texturas e seus calores. Rigidez com o macio da pele. Pele solta sobre o membro, pelos na base. Seu corpo duro, inerte, tem a habilidade própria de toda manequim: percebe aguçadamente o mínimo contato tátil.
Com o tempo passou a trazer adereços. Sutiãs, calcinhas. Um dia lhe ornou com um tamanco vermelho. Certa semana, teve que sair às pressas e deixou Traids vestida com colorida camisola. Ela parada, dançou de domingo até sexta de madrugada, quando foi levada nua para vestir outras roupas na rua.
A plasticidade do afeto humano, o tesão pela coisa e seu movimento de não objetificação do corpo inanimado. As cordinhas amarram sensivelmente os tornozelos. Ao amarrar a cintura, o rapaz olha para os lados, vê que ninguém olha e beija sensivelmente o pescoço de Traids.
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Marluz lembra com exatidão o sabor da água que corria no solo, perpassando sua sola. O tênis não a incomoda. Frio ou calor são variações que pouco afetam sua materialidade. Marluz gosta dos vestidos que usa de sexta a domingo, mas permanece confortável em sua roupa de viver no escuro do galpão. No escuro, sua vida guarda algo do material geológico que a compõe. Ela feita dele, ambos guardados, um no subsolo, ela nos submundos de galpões que se abrem e se fecham ao ritmo da maior feira livre de roupas da galáxia. Marluz polietileno. Está na Terra antes de qualquer um de nós. Estará depois de todos nós.
Impressionou me a materialidade dada aos corpos dos manequins. Lembrou minha infância, nós momentos em que imaginava o que fariam os manequins depois que se fechavam as portas e apagavam se as luzes! Belíssimo trabalho! Sucesso!!!