Junho, 2016
Caro cidadão,
Nos últimos anos tenho ouvido falar muito de você. Quando ocorrem crimes bárbaros, como o estupro da jovem de 16 anos por 33 marmanjos no Rio de Janeiro, em maio, muitos falam em seu nome, citando-o como exemplo contra os “bandidos” deste país. Tenho a impressão de que você virou uma “entidade social”. Em seu nome tudo pode. As autoridades policiais goianas assumiram sua defesa. Tolerância zero em defesa do “cidadão de bem”, diz a propaganda oficial. Mas quem é você? Você de fato existe?
Muitas perguntas tomaram conta de meu pensamento e passaram a me incomodar. Eu precisava encontrar alívio para minha mente, encontrando as respostas às minhas dúvidas. Sozinha eu não conseguia. Quanto mais pensava, mais confusa ficava e mais eu sofria. Como não encontrei respostas, fui atrás de quem poderia me ajudar localizá-las.
Dei sorte de deparar-me com pessoas generosas, com muito conhecimento e que concordaram em me ajudar. O filósofo Gonçalo Armijos, professor da UFG, o procurador da República Hélio Telho, o sociólogo Dijaci de Oliveira, professor da UFG e pesquisador sobre violência, e o promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Haroldo Caetano tiveram muita paciência com minhas indagações.
Encaminhei-lhes minhas dúvidas e eles escreveram textos que rendem, cada um, belos artigos. Decidi, então, recorrer às palavras e às experiências desses quatro grandes profissionais para criar um quinto texto, esta carta que escrevo “aos cidadãos de bem”. Teci as palavras de cada um às minhas próprias palavras para expressar uma ideia, construída com as ideias emprestadas pelos quatro.
Para acreditar que você, “cidadão de bem”, existe, precisaríamos acreditar que o mundo é maniqueísta, como nas novelas mexicanas, dividido entre o bem e o mal, entre os criminosos e os outros, os “cidadãos de bem”. Supondo que essa premissa esteja correta, vamos, então, definir quem faz parte do grupo dos “bandidos” e quem está entre os “cidadãos de bem”.
“Para acreditar que você, ‘cidadão de bem’, existe, precisaríamos acreditar que o mundo é maniqueísta, como nas novelas mexicanas, dividido entre o bem e o mal, entre os criminosos e os outros, os ‘cidadãos de bem’”
Os de bem são cidadãos, pagam os impostos, respeitam as leis, lutam para vencer na vida, são honestos, defendem a família, a nação; são religiosos e pacíficos, de acordo com a sociologia. Os bandidos são os outros. Simples, não? Então vamos complicar um pouquinho, caro cidadão, porque a vida não é novela mexicana.
Tendo essa lista por base, você que me lê neste momento se classifica como um cidadão de bem? Sim, você deve responder. Então, você nunca desrespeitou uma lei, nunca defendeu assassinato de bandido “porque bandido bom é bandido morto”. Não, essa posição não é ideológica, estou apenas dizendo que defender assassinato é crime, ou seja, um desrespeito à lei.
Você nunca abusou do som alto, para não prejudicar o sossego de seu vizinho. Nunca parou em fila dupla ou estacionou em lugar proibido, para não atrapalhar a circulação de outros motoristas ou pedestres. Não deixou de pagar a taxa de condomínio, para a conta não pesar sobre os outros condôminos. Não sonega impostos, para que o Estado possa ter o dinheiro para pagar o salário dos policiais que farão a segurança pública ou os médicos que o atenderão quando precisar do hospital público.
Penso que você vai querer parar de ler o texto neste ponto, pois pensará que estou exagerando com as qualidades de um cidadão do bem. Mas me dê mais um tempinho. O mesmo artigo 5º da Constituição Federal que estabeleceu os direitos do cidadão definiu seus deveres. Resumindo, cidadão de bem é aquele que conhece e cumpre seus deveres e obrigações, seja para com o próximo, seja para com sua comunidade, seja para com o Estado. Agora eu volto a lhe perguntar: você é cumpridor de todos esses deveres?
Várias pesquisas já realizadas no Brasil revelaram que impera por aqui a cultura do jeitinho, em outras palavras, o desrespeito às leis. Claro, há exceções, mas a regra geral é essa. Sendo assim, quem são esses “cidadãos de bem” para quem a polícia goiana diz trabalhar? Quem são as pessoas que se autointitulam como tal?
Não há representantes políticos (líderes ou partidos) que se enquadrem no espectro do “cidadão de bem”, como o Brasil tem comprovado pelas intermináveis investigações da Operação Lava Jato. A maior parte dos crimes de violência contra mulheres, crianças e adolescentes ocorre dentro de casa. Mais de 90% dos homicídios registrados no país são praticados por adultos, mas os “cidadãos de bem” querem aumentar a maioridade penal para jovens infratores.
Diante disso lhe pergunto, caro “cidadão de bem”: não estariam sendo incluídos na lista de “bandidos” os grupos mais frágeis, ou seja, crianças e adolescentes, negros, pobres, homossexuais etc., eleitos “inimigos públicos”? Exagero? Então me respondam: alguém já viu uma propaganda da Secretaria de Segurança Pública defendendo “tolerância zero” contra bandidos de colarinho branco, contra os ricos que pagam propinas para ter contratos com o poder público? Ou a intolerância é contra só os bandidos das periferias das grandes cidades?
O “cidadão de bem” é um conceito precário, que presta um ótimo serviço para reforçar o preconceito, especialmente o racismo, a aversão aos pobres, o machismo, a homofobia (como o trágico atentado que matou 49 pessoas na boate LGBT, em Orlando). O preconceito contra usuários de certas drogas ilícitas; a discriminação política, contra comunistas, por exemplo, e religiosa, contra umbandistas, muçulmanos. Por isso, normalmente na imagem de “bandido”, para o “cidadão de bem”, não se enquadram criminosos ricos, brancos, do colarinho branco; políticos, empresários e banqueiros corruptos ou corruptores e outros do gênero. Bandido é o pobre e negro. Não por outro motivo são pessoas desses grupos que superlotam os presídios brasileiros.
“O ‘cidadão de bem’ é um conceito precário, que presta um ótimo serviço para reforçar o preconceito, especialmente o racismo, a aversão aos pobres, o machismo, a homofobia”
Assim, o significado do que se entende por “cidadão de bem” será consequência da correlação de forças políticas de quem detenha o poder (e de quanto poder ele ou ela detenha). Em um regime autoritário, por exemplo, “cidadão de bem” pode significar ser um submisso, um agente dos ditadores que prendem e torturam os “bandidos” que defendem a democracia
Diante de tudo isso, o “cidadão de bem” não existe, não passa de uma “figura mítica”. Você é uma narrativa sobre um suposto sujeito que clama por socorro e que um gestor público ou uma liderança política ouve e corre para dizer que atenderá o seu clamor. Repete esse discurso há anos, sem nada mudar.
Se você é uma pessoa cumpridora de todos seus deveres, faço-lhe um pedido: avalie esse discurso usado por cidadãos comuns e por autoridades que deveriam atuar em defesa da democracia e do Estado de Direito, como governadores, secretários, ministros, policiais e até mesmo agentes do sistema judicial. Você pode ser um agente da paz que defenda um país com cidadãos que cumprem todos os seus deveres e respeitam o ser humano, independentemente de ser ele rico, pobre, negro, branco etc.
Será que queremos nos tornar um país de assassinos porque há assassinos na sociedade ou criar meios outros de lidar com esta questão? A psicanálise nos ensina que fazer desaparecer o que incomoda é o pensamento mágico da criança que quer “matar” o outro que a irrita. “Matar” o pai que é dono da mãe, “matar” o irmãozinho que nasceu e tomou seu reinado.
Será que, como sociedade, nós não crescemos um pouquinho para prescindir de soluções “mágicas” de destruir o que não me agrada, até mesmo por não ter escolhido construir soluções deveras eficazes e duradouras? Duradouras sim, porque, se mato um hoje, amanhã haverá sempre outros a serem mortos, porque a “sociedade assassina” continuará a produzir mais assassinos.
Este texto foi possível graças à colaboração do filósofo Gonçalo Armijos, professor da UFG, do procurador da República Hélio Telho, do sociólogo Dijaci Oliveira, professor da UFG, e pesquisador sobre violência, e do promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Haroldo Caetano
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso….
Um homem da cor brasileira, loucura e besteira que dorme sozinho….
Quando eu não tinha o olhar lacrimoso, que hoje eu trago e tenho….
Quando havia, galos, noites e quintais…
Ela é tão rica e eu tão pobre, eu sou plebeu, ela é nobre, não vale a pena tentar…
Vou-me embora pra Pasárgada. Lá sou amigo do rei…
E até neste momento você vai… lembrar de mim!
Não entendi bem o seu texto. Ou o que você esta defendendo. Eu sou adepto sim do “bandido bom é bandido morto”. Não adianta prender. Tem sempre um juiz ou desembargador para mandar soltar. As leis são feitas para os bandidos, não para a sociedade. Parece que vc está condenando todo mundo. Colocando todos na mesma balança, ou seja, alguém que dá cinquentinha para o guarda, para não ser multado, é tão culpado quanto um ladrão que mata alguem para roubar.
Crime é crime, mas com pesos diferentes. Ainda hoje eu estava lendo sobre o Messi, que foi condenado por sonegar impostos, mas não iria ser preso. É claro que não pode prender alguém por isso. Deve-se sim, cobrar os impostos, colocar mais uma multa pesada, e pronto.
Pelo seu texto, eu não entendi se todo mundo é bandido, ou se não existem culpados.
Dar cinquentinha para o guarda é crime, assim como um assassinato. Concordo com você que o segundo tem maior poder ofensivo, por isso as penas para ambos os crimes são diferentes. Condeno todo tipo de crime e matar é homicídio, mesmo que o morto seja um bandido.
Bingo!
Há alguns meses dois episódios mostram a realidade que o artigo. Caso 1: estava eu na fila de um caixa eletrônico. Éramos exatamente 11 pessoas, quando um jovem vistosa se aproximou de um rapaz, o quinto na fila, ela ficou junto a ele no maior bate papo e quando chegou a vez do rapaz a moça lhe passou dois envelopes para depósito. Gritei e ameacei de chamar a polícia, a moça então argumentou que eram “só” dois depósitos. Respondi que iria fazer apenas um depósito e mesmo sendo idoso eu estava respeitando a fila. As outras pessoas me apoiaram e a moça entrou na fila que havia aumentado.
Caso 2: no trânsito de Goiânia eu seguia atrás de uma luxuosa camioneta ostentando um adesivo “Fora Dilma”. O sinal fechou a camioneta, diminuí a velocidade e como dava tempo ela acelerou e passou o sinal vermelho. Infelizmente, Cileide, a corrupção só não é maior por falta de oportunidades.
Pois é meu caro Vitor…
E ainda tem gente q não entende o texto!
Os preconceitos, as injustiça praticadas contra os mais fracos e a corrupção, são consequências de um sistema social injusto. Não há educação, por melhor que seja, que possa superar esta triste realidade. A moral simplesmente não encontra ressonância na sociedade do dinheiro onde alguns tudo podem e a maioria deve sofrer as consequências de uma legislação a serviço de um sistema social perverso.
O conceito “cidadão de bem” está hoje cada vez mais marcado por ideias conservadoras e até fascistas. Assim acaba sendo usado para reforçar preconceitos sociais, atualizá-los, ao fazer parecer a defesa do bem.
Li com muito interesse o seu artigo dirigido ao “cidadão de bem.” Com todo respeito que você conquistou junto a mim desde os tempos de O Popular, concordo apenas parcialmente com os seus argumentos, que, na maioria das vezes, resvalam para uma defesa pura e simples do que se denomina incorretamente de politicamente correto. Bons e não tão bons cidadãos são encontrados em todos os estratos sociais e não discordo da sua alegação de que tem mais pobres e negros nas prisões do que brancos e ricos, primeiro porque os ricos se defendem melhor, segundo porque os pobres, infelizmente, são maioria.
Mas você não pode simplesmente omitir o clamor popular a favor das punições aos poderosos desencadeadas por Joaquim Barbosa e largamente expandida pela Lava Jato.
E muito relativo classificar pessoas com base no respeito as leis, pois existem muitas delas obviamente injustas, como as que se referem a cobranca de impostos e a contrapartida que a sociedade recebe do estado. Eu vejo no texto um alvo, o discurso da direita que em nome da moral, da familia, propriedade, religiao, e na verdade intolerante, preconceituoso e insensivel com a desigualdade.
Nosso Brasil está contaminado de tanta sujeira, tanta maracutaia, tantos ladrões de gravatas que somente Deus pode nos defender de tantos malefícios que aconteceu e está acontecendo lesando o povo brasileiro de toda natureza. Aqui em Goias, o governo está tomando o dinheiro de quem tem e arrasando os que não tem com cobranças exagerada de impostos. Como se vê, os proprietários de veículos que no ano passado pagaram IPVA e licenciaram por um ano, só teve validade por oito meses, e ainda o valor venal de veículo que foi comprado em novembro de 2014 por R$ 52.500,00 está sendo cobrado o imposto deste ano sobre o valor venal de R$51.052,00, sendo o preço de mercado hoje é de no máximo R$ 40.000,00. Considero isto uma deslealidade com o contribuinte trabalhador. E não somente este caso que está acontecendo, visto que tem muitas empresas que estão fechando as portas porque não estão suportando tantos encargos. Pode se ver que tem empresas que acrescenta no preço de custo 40% para revenda e não sobra 1% de lucro liquido. E o Sr. Prefeito achou bonitinho o que o Governador está fazendo, e também está cobrando adicionais de IPTU informando que houve acréscimo na construção, ao qual posso provar que no meu caso está totalmente errado, visto que meu imóvel tem 520 m2, tem uma casa com 144 e um barracão com 48 somando 192 m2 construído a mais de 15 anos e consta no talão do IPTU um acréscimo 295 m2 e somado pela prefeitura tudo isso chega a 487 m2 neste caso tem somente 33 m2 de área livre, o que na verdade é mais 300 m2. Realmente não sei onde encontraram esta medida para calcular o imposto que está sendo cobrado.