No Belo Monte já estava / O rei D. Sebastião. / Água de poço era leite. / Pedras viravam-se em pão.
Estes versos, correntes nos sertões da Bahia, à época da guerra contra o arraial de Belo Monte de Canudos, segundo depoimento de Davi Jurubeba a Frederico Pernambucano de Mello, não ilustram apenas o salvacionismo messiânico de então, resistente quando a República atacava militarmente os sertanejos com um saldo genocida de milhares de mortos, senão uma prática arraigada ao patrimonialismo paraestatal, que ainda ontem aliava-se às cores vermelhas da China em promessas de um futuro de mel.
Eis que o pré-sal, de risco ambiental indeterminado, leiloou o Campo de Libra com proposta única da Petrobras e de estatais chinesas, associadas à francesa Total e à anglo-holandesa Shell. Tempos depois, caiu o governo, que, teoricamente, poderia vir a ressurgir das cinzas.
Escrever é muito perigoso. Sobretudo quando militante. Pão ou pães, questão de opiniães, já anotava o Rosa entre as veredas e os redemunhos do Grande Sertão. O tempo então, tudo pode mudar, quando o escriba tem a atenção voltada para o agora. A não ser que, como Liev Tolstói, cante sua aldeia.
Infelizmente, no ambiente, o amanhã está ameaçado pelo hoje, e a desmilitância pode significar desmembramento. Sendo assim, peço vênia para, respeitosamente, manifestar-me com leve indiscrição.
Contaram-me o fato, que reproduzo sucintamente. A competente ministra da Cultura estava no Parque Indígena do Xingu, por ocasião do Kuarup em homenagem ao antropólogo Darcy Ribeiro. Amiga do homenageado, esqueceu-se por um instante, embrenhada na magia do lugar, da inafastabilidade da investidura de seu cargo em sua pessoa. E foi surpreendida pela demanda que aceitasse oficialmente uma carta dos índios − que então manifestavam-se repudiando a hidrelétrica do Belo Monte − contra a ofensiva sobre os seus direitos. Era o tempo da famigerada portaria 303 da Advocacia Geral da União, de triste memória de ataque contra os territórios indígenas, e por conseguinte os seus serviços ambientais, que a todos beneficiam, inclusive o importante mundo rural.
A ministra recolheu-se, e foi aconselhada a não receber a missiva. A competência para recebê-la seria da Secretaria Geral da Presidência, do Ministério da Justiça, do Ministério do Meio Ambiente ou da Casa Civil. Talvez o exemplo da intransigência ideológica da presidente em contemplar os direitos indígenas tenha norteado seus assessores?
Naquela ocasião, as obras de Belo Monte foram suspensas pela Justiça Federal por decisão liminar, mais uma que viria a cair sem solução do mérito.
O Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, autorizado por decreto legislativo anterior aos estudos ambientais e às oitivas indígenas, foi leiloado sob a égide de uma liminar que o proibia, tendo sido derrotado no Tribunal Regional Federal em Brasília, e seguido mesmo assim, sem julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal, por questão processual, em virtude de decisão monocrática do ministro Ayres Britto que invocou um julgamento futuro que não houve, onde se lê: − (…) “Isto porque, sabidamente, no instrumento processual de suspensão de liminar não se analisa o mérito da causa”.
Belo Monte interessa à China, porque vai mandar energia para a indústria eletrointensiva de exportação, e a vitória do consórcio formado pelas estatais Eletrobras e State Grid no leilão das linhas de transmissão é mais uma evidência que os desenvolvimentistas negam, dizendo que é para iluminar os lares a milhares de quilômetros de distância; pois mesmo que as linhas sigam para o Sudeste, desperdiçando energia, a hidrelétrica alimentará complexos industriais poluentes feitos para exportação no Norte do Brasil. E a mineração.
Belo Monte
A Usina de Belo Monte está sendo construída no Rio Xingu, no Pará. A previsão é de que as obras sejam concluídas em 2019. Desde que foi lançado, o projeto vem sendo fortemente criticado por ambientalistas e pela comunidade indígena, que denunciam os graves impactos da hidrelétrica sobre o meio ambiente e sobre os povos indígenas da região, além das populações ribeirinhas. As obras de Belo Monte começaram em 2011 e já custaram R$ 35 bilhões, segundo dados do site G1. O orçamento inicialmente previsto era de R$ 26 bilhões.
Sim, em seu modo de vida o ser humano pilha o capital natural, mas a que preço e como isso será sustentável? Assunto imperativo no novo milênio e neste século 21.
E Pirakumã, insubordinado à incomunicabilidade e à histórica falta de transversalidade ambiental dos setores do Estado brasileiro − e de seus muitos assessores − falou: − Se o meio ambiente for destruído, acaba o índio, assim acabará cultura do índio. Não é problema da Cultura?
Ficou sem resposta.
E a situação resolveu-se, quando o então senador Rodrigo Rollemberg, que lá estava, ofereceu-se para levar a carta a Brasília, onde a leu no plenário do Senado. Hoje, lemos nos jornais o que tantos suspeitavam: a corrupção política foi parte integrante do projeto de Belo Monte. São tantas as denúncias na vida pátria que só são menores que as más notícias do descalabro econômico. E o novo velho governo vai caminhando ecologicamente autocêntrico.
Belo Monte segue sem o cumprimento das condicionantes ambientais, materializando as previsões pessimistas, desfazendo sonhos e atropelando na falta de saneamento vigente no Brasil, na incompetência administrativa e no planejamento atolado entre os setores pátrios.
Segue a ofensiva contra as terras indígenas e a nação assiste atônita ao genocídio dos Guarani-Kaiowá.
Pirakumã, que também falou no Senado prevendo a própria morte, deixou o mundo dos vivos. Desencarnou.
Viva Pirakumã.
Pirakumã Yawalapiti
Pirakumã Yawalapiti foi uma importante liderança indígena dos povos do Xingu. Nascido numa aldeia do Xingu, testemunhou a chegada dos irmãos Villas-Boas à região na década de 1950, com quem aprendeu a ler e a escrever. Foi chefe, nos anos 80, do Posto Leonardo, a principal via de acesso ao Xingu. Morreu no dia 21 de agosto de 2015, aos 60 anos, poucos meses depois de ter subido à tribuna do Senado Federal para defender a demarcação dos territórios indígenas e denunciar o descaso do poder público em relação às comunidades indígenas no país. Veja vídeo abaixo.