Cidade do México – No Aeroporto Benito Juárez, local de entrada e partida dos voos internacionais da capital mexicana, os pontos de táxi fervilham. As longas filas organizadas em cada uma das oito portas dos dois grandes terminais andam rápido, com um movimento incessante de carros brancos e amarelos que chegam apressados, recolhem passageiros e suas bagagens e saem para parar logo adiante, nos congestionados acessos do local. Mas há gente fora das filas, com celular na mão, monitorando quantos minutos faltam e onde estão os motoristas que chamaram.
Esses condutores param em fila dupla ao lado dos táxis, com carros lustrosos, e procuram seus clientes. Sem temor, descem dos carros e confirmam se aquelas pessoas, paradas ao lado dos táxis, são quem procuram. Tais motoristas trabalham pelo aplicativo Uber e dividem os mesmos espaços dos taxistas. Essa cena impensável no clima bélico que as duas categorias vivem nas principais cidades brasileiras é comum hoje em uma das maiores megalópoles do mundo. Na Cidade do México, as agressões mútuas e a disputa ensandecida por espaço e fregueses ocorriam até pouco tempo atrás. Em um único episódio, em julho de 2015, 12 carros do Uber foram destruídos em uma batalha campal pelas ruas.
As cenas de selvageria, porém, parecem ter sido relegadas ao passado depois que a capital mexicana tornou-se a primeira grande cidade da América Latina a regulamentar o serviço. “Quando o Uber chegou, dois anos e meio, três anos atrás, era uma guerra”, diz o motorista José Luiz, que encontra seus passageiros pelo aplicativo. “Os taxistas ficaram muito nervosos com a chegada do Uber. Eles golpeavam os motoristas, batiam em nossos carros. Era comum ver agressões”, relembra. “Isso foi se amenizando com o tempo. Os taxistas viram que não era possível lutar contra a novidade”, acredita. “Além disso, há espaço para todos. Aqui na Cidade do México há mais de 20 milhões de habitantes. Só os táxis não davam conta de tanta gente”, acrescenta.
Números gigantescos
A Cidade do México tem em suas ruas nada menos que 5 milhões e 500 mil veículos. Nem mesmo as grandes obras de infraestrutura, como a construção de elevados e autopistas, e a delimitação de faixas exclusivas para ônibus resolvem o problema. A administração local decidiu recorrer ao rodízio, tirando cerca de um milhão de automóveis das ruas todos os dias. Ainda assim, os congestionamentos são constantes e intermináveis.
Hoje, a capital mexicana conta com cerca de 10 mil motoristas cadastrados no Uber e outros aplicativos semelhantes. Há cooperativas locais de motoristas que criaram seus próprios aplicativos, mas que ainda têm cotas reduzidas do mercado. Já os táxis somam a impressionante quantia de 140 mil veículos, segundo dados da Secretaria de Mobilidade da cidade. Todos esses carros são distribuídos em 657 bases, comandadas por 250 empresas. Apenas nove “líderes” – como são chamados os empresários do ramo – são donos de 180 dessas concessionárias, comandando nada menos que 24 mil carros. Um excelente negócio que, claro, é refratário a concorrentes.
A chegada do Uber mexeu nesse mercado lucrativo, que reúne de barões a motoristas autônomos. Só depois que o aplicativo começou a funcionar houve a renovação de parte da frota de táxis. Antes, praticamente só os veículos executivos, que cobram tarifa especial (a bandeira 3 deles), eram mais novos. Atualmente há muitos táxis de modelos modernos e mais confortáveis, mas na rua da metrópole os velhos “coches” ainda são maioria entre os taxistas, o que contribui para aumentar o problema da poluição do ar na Cidade do México, algo que, vira e mexe, faz as autoridades da capital decretarem “estado de emergência” na região metropolitana.
Já os que se associam ao Uber só podem trabalhar usando o aplicativo se observarem algumas condições. Os carros, por exemplo, precisam ter menos de 10 anos de fabricação e valor mínimo de mercado, quando zero-quilômetro, de 200 mil pesos mexicanos, algo em torno de 40 mil reais. Os veículos também precisam ser de quatro portas e contar com ar-condicionado, verdadeiros luxos para boa parcela dos velhos modelos Nissan dos anos 1990 que dominam a frota de táxis da Cidade do México. A diferença de idade dos condutores também chama a atenção. Muitos jovens ganham a vida trabalhando via Uber. Já entre os motoristas de táxi é fácil encontrar homens de idade mais avançada, muitos deles sem dominar tecnologias básicas, como as dos GPS.
“Eu acho que os taxistas deveriam aproveitar essas mudanças trazidas pelo Uber para renovar seus carros, melhorar o serviço que prestam”, pondera outro motorista, Miguel Ángel. “Eles estão começando a se conscientizar sobre isso, mas preferiram, no início, nos atacar”, relata. “Eu fui um dos que primeiro entraram no Uber na Cidade do México, uns três anos atrás. Foi um período muito duro, muito complicado. A gente corria muitos riscos, mas depois tudo serenou.” Quando informado que no Brasil ainda estamos nesta fase de hostilidades, ele prevê: “Isso passa com o tempo”.
A praticidade do Uber
O Uber é um aplicativo que é baixado no celular. A partir dele, é feito um cadastro, que registra o perfil do cliente e o número de seu cartão de crédito. Por meio de uma conexão à internet, o usuário, ao acessar o serviço, é rastreado por GPS, dando sua localização. O motorista do Uber que estiver mais próximo é acionado e o passageiro vê onde está o veículo, quanto tempo vai levar para chegar e quanto custará a corrida após digitar o local para onde vai. A cobrança é feita diretamente no cartão de crédito. O Uber agora começa a testar o serviço com a opção de pagamento em dinheiro ao motorista, como ocorre com os táxis.
Os taxistas não morrem de amores pelos colegas do Uber e vice-versa, mas ações mais drásticas não são mais vistas nas ruas. Mesmo com o trânsito infernal, com congestionamentos que podem fazer uma viagem durar de duas a três horas, a relação entre as duas categorias é marcada atualmente pela indiferença. Até mesmo pequenas gentilezas são trocadas eventualmente entre eles. Em um centro urbano como a Cidade do México, os motoristas parecem já ter preocupações demais com o tráfego pesado. Isso, porém, não dirimiu todas as críticas.
“Nós pagamos impostos, tudo é feito automaticamente. Já os taxistas não dão recibo do serviço que prestam”, reclama José Luiz. “A fiscalização quanto a isso não é tão boa.” É proibido, por exemplo, vender ou repassar as autorizações para ser taxista, mas o motorista do Uber diz que todos sabem que isso acontece frequentemente. O sindicato dos taxistas na Cidade do México é tradicional e forte. Na época que o Uber chegou à capital mexicana, a queixa da entidade era que os adeptos do aplicativo não pagavam impostos, taxas de verificação veicular e outras obrigações.
Após a regulamentação, esses argumentos ficaram enfraquecidos e hoje não há por parte da categoria ações específicas para barrar o funcionamento do novo sistema. Os motoristas do Uber pagam uma licença anual para terem a autorização de circular e de todas as corridas é cobrado um percentual de 1,5% do valor bruto a título de imposto. Os taxistas continuam a arcar com as despesas de renovação da licença e as taxas normais com os veículos. Não faltam fregueses para ninguém. Com corridas bem mais baratas que no Brasil – tanto nos táxis, quanto nos carros do Uber –, ambas as opções são práticas para quem visita a Cidade do México. Sem sustos, sem pancadaria.