Da Cidade de Goiás – O filme Rio de Lama, sobre a maior tragédia ambiental do Brasil, o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Minas Gerais, abriu a programação oficial do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás, o Fica, ontem à noite, na cidade de Goiás. O curta-metragem de Tadeu Jungle foi o primeiro documentário a participar da abertura do festival de cinema, geralmente marcada por discursos de autoridades e shows musicais, e não por cinema. A outra vez que isso aconteceu foi há 18 anos, na primeira edição do Fica, em 1999, com a exibição da cópia restaurada do clássico Sinfonia Amazônica, animação em longa-metragem de 1953, de Anélio Latini Filho.
O diretor paulista Tadeu Jungle é um dos principais nomes do audiovisual brasileiro desde o início dos anos 80, quando as produtoras Olhar Eletrônico e TVDO injetaram ousadia e experimentação na linguagem do vídeo, algo então novo no Brasil, influenciando a TV e até o cinema. Com Rio de Lama, ele também quer desbravar caminhos, investindo na realidade virtual.
“A realidade virtual vai mudar a gramática narrativa do audiovisual. É uma revolução. Com a técnica de realidade virtual, onde se filma com uma câmera capaz de captar imagens em 360°, e não somente em uma sequência de planos – como é feito desde sempre nas produções cinematográficas – , o público participa da obra, já que assim há um processo de imersão nos filmes. O espectador é levado para dentro da cena. Imagine o que isso pode fazer pela educação”, disse o cineasta.
Na sessão no Cinemão, Tadeu exibiu o curta filmado com a técnica de realidade virtual na tela plana, da forma tradicional. “A maneira ideal, claro, é assisti-lo com óculos especiais de realidade virtual, que permitem ao espectador escolher onde olhar nos 360 graus registrados, algo que vai além da sensação do 3D. Já estava querendo fazer algo em realidade virtual há algum tempo, mas, quando aconteceu essa tragédia, pensei que o peso da denúncia – trata-se de um filme de ativista mesmo – ganharia outro impacto graças a essa técnica.”
O curta foi filmado em dezembro de 2015, cerca de um mês após a tragédia provocada pela Samarco, concentrando-se em Bento Rodrigues, comunidade vizinha a Mariana e que também foi praticamente destruída pelo rompimento da barragem. Apesar do tom de denúncia e das imagens de ruínas e lama, o diretor traz para o foco algo subjetivo, a memória dos moradores.
“Nas entrevistas me chamou a atenção como eles descreviam com carinho a sua comunidade, a alegria das crianças brincando na rua, o sossego do lugar, a solidariedade e a convivência com os vizinhos, as árvores, os animais”, comentou Tadeu . “Mesmo que reconstruam Bento Rodrigues em outro lugar, como está previsto, a comunidade, como esses moradores conheciam e amavam, jamais será reconstruída. É algo perdido para sempre, como as 19 vidas perdidas na tragédia na cidade, claro”, lamentou.
Até domingo o público vai poder viver essa experiência na cidade de Goiás. Rodrigo Santana, coordenador operacional do Fica, informa que o diretor e a produção do evento disponibilizam o acesso ao óculos especial e ao filme no mesmo local do Cinemão, o antigo colégio Sant’Ana e atual unidade da UFG, das 9h às 12h e das 14h às 17h. A entrada é gratuita, assim como todas as atividades do festival.
A repórter viajou a convite da organização do festival.