Com linguagem documental, o filme tem como ponto de partida o empreendimento imobiliário homônimo da capital, valendo-se inclusive da própria campanha de divulgação do prédio de luxo. A campanha publicitária tenta evocar o ideal de uma elite carioca, mostrando na área onde será construído o condomínio residencial uma quadra de vôlei de praia com painéis gigantes plotados com fotografias da aprazível praia do Leblon.
Fabrício Cordeiro, um dos realizadores do curta, atua como crítico de cinema e falou a ERMIRA sobre a inspiração para o filme e sua narrativa que foge do documentário tradicional. O diretor comentou também sobre a influência da atividade como crítico no seu trabalho como diretor e fez algumas observações sobre o formato atual do festival goiano.
Leblon Marista é uma das quatro produções goianas da principal mostra do festival. As outras produções de Goiás que estão no páreo são Ensaio sobre um Fim de Mundo, curta de Jônatas Borges e Samuel Peregrino; Taego Ãwa, longa-metragem de Marcela Borela e Henrique Borela, e E o Galo Cantou, curta de Daniel Calil Cançado. Leia a seguir a entrevista.
Como surgiu a ideia para Leblon Marista?
Já há algum tempo venho me interessando e pensando um pouco mais sobre como nos colocamos na cidade e, talvez mais importante, como a cidade se coloca e mesmo se impõe diante das pessoas e na dinâmica de nossas vidas. É algo sobre o qual parte do cinema brasileiro já vem refletindo a respeito, como alguns filmes do Ceará e de Pernambuco, e achamos interessante tentar pensar um pouco sobre isso também. No caso do nosso curta, acredito que vem de uma necessidade de refletir sobre essa ideia de lugar em que se vive e do espaço que se oferece, o que pode gerar tensões e questões muito interessantes. Nós sempre nos guiamos por uma ideia de ambiente e imagem.
O que determinou a linguagem do curta?
Foi tudo um tanto improvisado. Soubemos de algo que gostaríamos de registrar e nos direcionamos basicamente por uma imagem específica que queríamos explorar no filme e por um som que iria percorrê-lo por toda a duração. O restante foi todo decidido durante as filmagens e, claro, na montagem, que foi onde o filme se revelou de fato. A única certeza que tínhamos antes de chegar na montagem era a sequência final, que está no filme exatamente como planejamos. Mas esse planejamento também só surgiu no primeiro dos dois dias de filmagem, pois foi somente ao estar presente naquele espaço que começamos a ter ideias do que filmar e de como montar.
Você é bastante conhecido como crítico de cinema. Até que ponto esta atividade influencia o seu trabalho como diretor?
Acho que influencia num sentido de se questionar o tempo todo e de questionar o próprio filme durante o próprio processo. Claro, acho que em alguma medida todos e todas que fazem filmes passam por isso, mas, no meu caso, e neste curta em específico, parte de meus questionamentos e escolhas estéticas também se davam conforme eu dialogava com outros filmes e com o próprio Luciano, que fez o filme comigo. Nós concordávamos em relação a muitas coisas que gostaríamos de evitar, procedimentos de linguagem e montagem que nos incomodavam em outros documentários similares e que já tratávamos como uma preocupação a ser considerada em todo o processo.
Mas ao mesmo tempo foi um filme que simplesmente apareceu na nossa frente. Tanto Luciano quanto eu tínhamos e temos outros projetos, mas muitas vezes o próprio documentário se revela no acaso e você precisa se planejar muito rapidamente, senão a oportunidade de filmar ou registrar algo interessante acaba se perdendo. De todo modo, a atividade da crítica é muito diferente de fazer um filme – nem melhor nem pior, nem mais fácil nem mais difícil, apenas diferente. É uma outra relação com as imagens, de modo que você está muito íntimo e muito próximo daquilo que você filma. A experiência como crítico ajuda, sem dúvida, não há como desligá-la, mas ao mesmo tempo começa uma experiência nova e que exige suas próprias questões.
O Fica passou por algumas mudanças ao longo de sua história, numa espécie de briga entre cinema e grandes shows na programação. Como avalia as alterações no ano passado, com mais foco no cinema e, neste ano, em que haverá apenas um show nacional de grande porte?
Eu sempre fui contra os grandes shows do Fica. Sempre achei que desviavam a atenção dos filmes, que são o que há de mais importante num festival de cinema, seja ambiental ou não. Embora os grandes shows tenham sido descartados em função de cortes orçamentários, sou da opinião de que eles não devem retornar. Acho essencial que o Fica seja repensado em vários aspectos, que seja um festival mais enxuto e focado na experiência de cinema. A cidade de Goiás, a exemplo de outras cidades históricas que recebem festivais e mostras de cinema (Tiradentes, Ouro Preto, agora Pirenópolis com o Piri Doc), é capaz de atrair as pessoas sem que para isso tenha de trazer medalhões da música nacional. Este ano o Fica tem coisas importantes, como o espaço para o Film Market, com a presença do Eduardo Valente.
“Eu sempre fui contra os grandes shows do Fica. Sempre achei que desviavam a atenção dos filmes, que são o que há de mais importante num festival de cinema”
A mostra competitiva desta edição se destaca por uma curadoria menos óbvia…
O Fica volta a ter uma curadoria mais rigorosa e disposta a flexibilizar o conceito de “ambiental”; acho importantíssimo que os membros de júri de seleção continuem a ser pessoas envolvidas com o cinema: professores, críticos, programadores, realizadores. A seleção do Fica melhorou muito desde que isso começou a ser feito, e este ano não parece ser diferente. Em 2013, O Som ao Redor esteve na competitiva ambiental, o que era impensável até por volta de 2010, por exemplo – porque antes se entendia “cinema ambiental” somente filmes “com mensagem”, filmes “de conscientização” sobre o meio ambiente, e particularmente acho que meio ambiente é muito mais complexo e abrangente que isso. Com exceção do ano passado, 2015, o Fica me parece ter melhorado muito nesse aspecto. Por outro lado, acho necessário dizer que é inaceitável um festival internacional de R$ 2,5 milhões de orçamento não ter à disposição a projeção em DCP (NR.: sigla de Digital Cinema Package, tecnologia para projeção digital com alta qualidade de resolução), que é o padrão em excelência para qualquer festival sério hoje em dia. A explicação que a organização nos deu, de que o DCP não seria a melhor opção para um festival que exibe filmes em tantos formatos e um atrás do outro, é desatualizada e equivocada. Vários festivais importantes (e com orçamento consideravelmente inferior ao do Fica) ao redor do Brasil podem confirmar isso. O DCP inclusive exibe todos os formatos e, se produzido com antecedência, qualquer filme, tenha sido filmado de qualquer maneira, pode ser convertido em DCP – existe toda uma rede de contatos e profissionais que fazem isso, alguns inclusive gratuitamente. O aluguel de todo o equipamento DCP para festivais custa R$ 60 mil, uma quantia ínfima para um festival com os recursos do Fica.
A colunista de ERMIRA viajou a convite da organização do festival