O elenco tem como destaque a participação do experiente ator carioca Chico Diaz, além dos goianos Eliane Santos e Allan Jacinto, o protagonista. A temática ambiental não se manifesta prontamente no filme – e esse foi um dos tópicos abordados pelo diretor em entrevista a ERMIRA.
Na conversa, Daniel Calil falou ainda de seu processo de trabalho e comentou sobre a organização do festival. O curta, que também foi selecionado para a 14ª Mostra ABD Cine Goiás, é uma das quatro produções goianas da principal mostra do festival. As outras que estão no páreo são Ensaio Sobre um Fim de Mundo, curta de Jônatas Borges e Samuel Peregrino, Taego Ãwa, longa-metragem de Marcela Borela e Henrique Borela, e Leblon Marista, curta de Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista.
Apesar de ambientado no meio rural, o filme evita os estereótipos do caipira. Foi proposital?
Sempre tive o desejo de realizar este filme a partir de uma construção narrativa que se baseasse na atmosfera e no ritmo de vida existentes no interior e na zona rural de Goiás – especialmente em propriedades pequenas e familiares. A linguagem do filme foi sendo definida a partir dessa ideia de imprimir a atmosfera e o ritmo desses locais, mas construindo uma obra em que o não dito tenha peso igual ou maior do que é falado. O filme pode ser definido como obra naturalista, com abertura de trabalhar o subjetivo e o invisível. Uma vontade de levar o espectador a vivenciar e sentir um pouco do cotidiano retratado na história, mas abrindo a obra para diversas interpretações e leituras – não tentando limitar o olhar das pessoas.
O Fica está passando por mais mudanças neste ano e, mesmo com a inclusão de um show nacional de grande apelo como o de Elba Ramalho e Geraldo Azevedo, a parte musical não disputa tanto espaço com o cinema como em algumas edições do festival. Acredita que o festival está amadurecendo mesmo?
O Fica é e deve ser um festival de cinema. Com foco na temática ambiental, mas acima de tudo um festival de cinema. Estamos ainda no começo do evento, não consigo avaliar com profundidade o formato deste ano. O que vale destacar é que o foco do evento – este e em todos os anos – deve ser o cinema e a influência que essa arte tem e pode ter em relação à vida das pessoas. É notório que há uma pressão por parte dos realizadores locais em valorizar o cinema e os realizadores durante o festival, e isso com certeza é o melhor caminho a ser seguido. As principais atividades cinematográficas, tirando a mostra principal, realizadas durante o festival são fruto da organização e da proposição de associações locais, que estão atentas ao desenvolvimento do cenário, às linguagens audiovisuais e à discussão e ao amadurecimento dos projetos locais. Portanto, tirar shows nacionais do cronograma não me parece ser suficiente para dizer que o evento caminha para um melhor ou pior caminho. O que deve ser discutido é a qualidade e não a quantidade de público. Quantas pessoas estão indo ao festival para discutir e vivenciar cinema e não quantas pessoas lotaram o show de fulano de tal. Acho que há uma melhora em relação a isso, mas ainda faltam algumas coisas. Está aí a diferença em focar, em realizar um festival de cinema, e não em um evento megalomaníaco.
E o suporte técnico do festival, tem melhorado?
Vale ressaltar que em um evento com um orçamento tão grande disponível é inconcebível não contarmos com projeções de qualidade. Já deu pra perceber que, tanto em relação à imagem como em relação ao áudio, as sessões do Fica deixam muito a desejar. Valem investimento e atenção em relação à qualidade dessas projeções. Isso com certeza fará com que a experiência audiovisual seja mais enriquecedora e potente. É triste ver filmes tão interessantes mal projetados.
“Em um evento com um orçamento tão grande disponível é inconcebível não contarmos com projeções de qualidade. Já deu pra perceber que, tanto em relação à imagem como em relação ao áudio, as sessões do Fica deixam muito a desejar”
Logo de cara E O Galo Cantou não é um filme que possa ser identificado como de temática ambiental. Como avalia essa flexibilização da curadoria em relação ao que é cinema ambiental?
Eu não acho que a mostra competitiva de filmes ambientais deva se restringir a obras cuja temática ambiental esteja escancarada e seja o principal objeto. Há diversos filmes que discutem e abordam a temática ambiental de forma não direta e que resultam em reflexões muito mais profundas e complexas em relação ao meio ambiente e à relação do ser humano com essas questões socioambientais. E O Galo Cantou caminha nessa direção. O filme discute a família e os conflitos de um personagem que não pertence mais ao ambiente onde sempre viveu. Nessa perspectiva, o curta aborda a relação do protagonista com seus conflitos, com o meio ambiente onde está e a sua relação com a família – o que pode sim ser considerado ambiental a partir dessas perspectivas. Ainda como pano de fundo, há questões ambientais mais diretas no filme, como a dificuldade dos pequenos produtores rurais e da agricultura familiar de sobreviver dentro do sistema em que vivemos, o domínio da monocultura no Brasil e o êxodo rural, que influencia tanto na formação das grandes e pequenas cidades brasileiras.