E lá se foi mais alguém eleito nas urnas para comandar o Brasil e que não consegue terminar seu mandato. O impeachment de Dilma Rousseff faz dela a segunda pessoa a ocupar a Presidência da República a ser afastada do cargo em menos de 25 anos. Ao contrário de Fernando Collor, em 1992, desta vez há muita gente que acusa o processo de ser golpista, um arranjo de forças políticas que incluíram um vice nada confiável, um Congresso insatisfeito e chantagista, um presidente da Câmara vingativo e um empresariado querendo apenas defender seus interesses.
Quem tomou as ruas pedindo a saída de Dilma argumenta que o impeachment é previsto na Constituição e, neste caso, necessário para desatolar o País de uma monumental crise econômica causada por incompetência e radicalismo ideológico. Além disso, o partido da agora ex-presidente está envolvido em um gigantesco escândalo de corrupção, resultando em um verdadeiro assalto aos cofres públicos, com desvios de bilhões e mais bilhões de reais. Dilma, assim, teria culpa no cartório por ser conivente com tamanha bandalheira, por ter mentido sobre a real situação financeira do Brasil nas últimas eleições e por apoiar Lula, visto por tantos como um chefe de quadrilha.
Tudo o que vai escrito acima integra o contexto da queda de Dilma, que fez uma primeira metade de primeiro mandato com tranquilidade e medidas populistas – diminuição a fórceps dos juros, retenção de reajustes nas tarifas públicas, leniência com a inflação – e que começou a afundar a partir de 2013, com os grandes protestos de rua. A partir dali, um misto de inoperância administrativa, arrogância, isolamento e falta de traquejo político a levaram a uma disputa muito mais acirrada do que se supunha com Aécio Neves em 2014 – sinal de desgaste do modelo petista de conduzir o Brasil – e a uma impopularidade recorde. Tudo passou a ser culpa da Dilma.
Nesse contexto, entraram os pretextos para o impeachment da presidente, que estão muito longe de ser motivos suficientemente fortes para sua deposição. As pedaladas fiscais e os decretos suplementares sem autorização do Congresso são práticas corriqueiras há muito tempo – vide governos FHC e Lula e diversas administrações estaduais –, mas se transformaram, com a ajudinha de um Eduardo Cunha que negociou até o último momento a salvação da própria pele, na bala de prata para tirar o PT do poder, o que as urnas não quiseram fazer nos últimos pleitos presidenciais.
“Os pretextos que levaram ao impeachment de Dilma agregaram-se a um contexto que a desfavoreceu, mas que ela ajudou a construir com uma crise econômica com a qual não soube lidar e aceitando os modelos mofados de política em que estava, escondida e inerente, a traição de seu vice.”
Nesse sentido, foi um golpe sim. Um golpe de mestre de quem urdiu essa maquinaria que tragou um PT desvalido de discurso ético e uma presidente que além de se expressar mal, também não tinha muito o que dizer e mostrar. Aliando-se com o que há de pior na política nacional em nome de uma vergonhosa governabilidade, a gestão Dilma foi traída pelas raposas que alimentou. Uma delas morava no palácio ao lado e agora enverga a faixa presidencial. Comparar Michel Temer a Itamar Franco, o vice que herdou a presidência de Fernando Collor em 1992, dá a dimensão das diferenças entre um impeachment e outro.
Em nenhum momento Itamar pediu apoio para derrubar Collor. Temer, por sua vez, fez do Palácio do Jaburu um bunker pró-impeachment, prometendo toda sorte de contrapartidas a parlamentares por seus votos e articulando o desembarque de várias legendas da base de sustentação de Dilma. Mesmo com a Lava Jato alvejando tantos nomes do novo governo quanto no que caiu e Dilma estar passando razoavelmente incólume das investigações, foram os multidelatados no escândalo que souberam mexer as peças no tabuleiro. E deram o xeque-mate. A rainha caiu e o rei, mesmo nu, tomou posse em um Congresso com tantos integrantes respondendo a processos.
Os pretextos que levaram ao impeachment de Dilma agregaram-se a um contexto que a desfavoreceu, mas que ela ajudou a construir com uma crise econômica com a qual não soube lidar e aceitando os modelos mofados de política em que estava, escondida e inerente, a traição de seu vice. O histrionismo da jurista Janaína Paschoal, as presepadas dos discursos dos deputados na Câmara, o cinismo de tantos senadores, a sede de vingança de uma oposição não muito qualificada e os erros monstruosos do PT foram, cada qual, elementos de decoração e de sustentação a formar a receita do desastre de Dilma.
Vem aí um agenda de direita, com menos apoios sociais e a submissão total e irrestrita aos rumos que o mercado e uma casta abonada ditarem. A tempestade perfeita que derrubou a primeira mulher eleita para presidente do Brasil certamente tem um raio preparado para cair em cada uma de nossas cabeças. Acha que é pessimismo? Vem cá, você confiaria nas boas intenções do governo Temer? Pergunte a Dilma se ela compraria um carro usado do homem que a sucedeu, que estava em seu palanque nas duas últimas eleições e que formou um ministério com quem havia sido vencido nas urnas. Apertem os cintos, o vice assumiu! E parte da culpa disso também é de Dilma Rousseff.