“Caraca, não dou conta de viver naquele lugar não, porra! É uma merda! O transporte é uma merda! A praia é longe! Fui pra São Luís, viver lá, e me fodi! Voltei correndo!”
Estava eu sentado em um ponto do novo VLT do Rio de Janeiro quando uma mulher, com aqueles mundialmente famosos sotaque e jeito cariocas, chegou com um amigo. Ele estava vestindo uma camisa do Flamengo personalizada. Atrás, seu nome: Givenylson. Quer dizer, eu acho que este é o nome dele, já que, flamenguista que sou, não me lembro de um atacante ou um zagueiro do rubro-negro com essa alcunha. Bom, mas isso é o de menos.
“Esta é sua opinião!”, foi a resposta do rapaz, num tom já não muito amistoso. E outra coisa me chamou a atenção: ele tinha um forte sotaque nordestino.
“Quando a gente mora no Rio, a gente não se acostuma em outro lugar não, mermão”, voltou à carga a carioca. “Aqui tem natureza, tem praia. Em cinco minutos eu tô na praia…”
“Mas São Luís também tem praias e são lindas”, retrucou Givenylson, já aumentando o volume do debate.
“Mas tudo um lixo. Uma sujeira sinistra!”, replicou a carioca.
“E essa praias aqui do Rio são limpas por acaso? Você tem coragem de tomar banho em Copacabana, tem?”, treplicou o moço, já esganiçando a voz.
“Porra, mas tem Ipanema e tem a Floresta da Tijuca. Nem comparação com aquilo lá.”
É, a carioca – talvez até mesmo por ser carioca – parecia gostar de viver perigosamente. Apesar dos sinais de irritação de seu interlocutor, ela continuava a cutucar o bumba-meu-boi com vara curta.
“Se não gosta de São Luís, não vai mais lá, ué! Você acha que alguém de lá faz questão que você volte?”
Givenylson, agora, já estava entrando de carrinho mesmo. E o VLT nunca que chegava. Se bem que eu não reclamava da demora porque, assim, poderia ver o desfecho daquela treta.
“Não precisa se irritar não, cara!” Finalmente a carioca se tocava que a coisa estava ficando meio ruim pro lado dela.
“Não gosto mesmo que fale da minha cidade. Eu por acaso já falei assim do Rio de Janeiro pra você? Já disse que muita coisa nesta cidade é uma bosta? Que a gente vive sendo assaltado aqui? Que o transporte aqui também é uma merda? Que os cariocas são muito folgados? Já falei? Não, né! Então guarde suas opiniões de São Luís pra você!”
Bom, se Givenylson ainda não tinha falado o que pensava do Rio, agora sua amiga e mais uns 30 cariocas que esperavam o VLT naquele momento passaram a saber que suas impressões da Cidade Maravilhosa não eram tão maravilhosas assim.
Foi quando a mulher teve a infeliz ideia de iniciar uma tese sociológica sobre as diferenças entre cariocas e maranhenses, explicar antropologicamente suas razões de detonar São Luís, filosofar a respeito da discussão. Graças a Deus o VLT estava chegando porque a conversa ia ficar chata pra diabo. Ninguém merece testemunhar DR de ninguém, não é mesmo?
“Ninguém merece testemunhar DR de ninguém, não é mesmo?”
O que ficou para mim daquele entrevero a que acidentalmente assisti foi que ninguém gosta de forasteiro falando mal de seu rincão natal. Isso não costuma ficar impune. Você esculhambar o lugar em que nasceu ou ouvir um conterrâneo fazer isso é absolutamente aceitável. Outra pessoa, com sotaque diferente, vir fazer isso, aí é desaforo.
Givenylson não gostou. E se a tal carioca começasse, por acaso, a falar mal de Goiás, acho que eu seria capaz de entrar num bate-boca com a sujeita e defender, na frente de uma aglomeração, as duplas sertanejas daqui, o pequi e até o calor que faz em agosto. Ora, onde já se viu! Quem aquela carioca pensa que é, né não?