De Brasília ? Um dos intelectuais mais expressivos e influentes do Brasil, o crítico de cinema, escritor e professor Jean-Claude Bernardet é o tema do filme A Destruição de Bernardet, de Claudia Priscila e Pedro Marques, exibido na quinta-feira, dia 22, fora da mostra competitiva do Festival de Brasília. Porém, a obra está longe de ser um documentário tradicional, ao explorar a reinvenção do maior crítico de cinema do País e que, aos 70 anos, resolveu se dedicar à carreira de ator. Com humor, ironia e um pouco de ficção, o longa traz muito da invenção e da originalidade de seu protagonista.
A ideia de um filme sobre Bernardet, conta o produtor Kiko Goiffman, surgiu durante a produção de Filmefobia, dirigido por ele e que tem Bernardet como um dos protagonistas. Claudia Priscila e Pedro Marques ficaram na direção do novo longa, mas o biografado deixou logo claro que não gostaria de ser objeto de um documentário comum.
“Foi aí que optamos por A Destruição, pois me encantava o fato de ele ter se reinventado como ator aos 70 anos. Antes ele atuou algumas vezes, mas era algo extemporâneo. A ideia então foi fazer um filme com e sobre Jean-Claude, algo que não fosse laudatório, histórico, que falasse sobre o grande intelectual apenas”, explica a codiretora. “Um foco foi realmente a descoberta do homem, do ator que tem um corpo, alguém que, ao invés de se aposentar, de certa forma se recria. A Destruição é, também, um filme sobre a velhice”, define Claudia.
“Fiquei muito feliz que o filme também seja sobre a velhice, a proximidade da morte. Durante e após a sessão percebi que as pessoas mais velhas reagiram bem ao longa, até porque o filme fala desses temas de forma irônica, e leve”, comenta Jean-Claude, que, além de ter sido consultor de montagem, sugeriu algumas cenas.
“Quando a Claudia disse que queria fazer um documentário sobre mim, não me animei, pois o Kiko Molica já fez isso. Daí quando eu conheci outro filme dela e do Pedro, Vestido de Laerte, que tem uma busca de linguagem bem interessante, fiquei empolgado”, recorda Bernardet. Ele acrescenta que o público não deve acreditar em tudo que vê na tela. “Uma imagem é construída para mascarar outras e esse filme não escapa disso. Ele pode ser uma ilusão. O espectador não vai saber o que é verdade ou não e talvez nem eu saiba”, diz Bernardet, em tom provocativo.
“Uma imagem é construída para mascarar outras e esse filme não escapa disso. Ele pode ser uma ilusão. O espectador não vai saber o que é verdade ou não e talvez nem eu saiba Jean-Claude Bernardet”
Belga-brasileiro nascido em 1936, Jean-Claude vive no Brasil desde a juventude e foi um nome bastante atuante no Cinema Novo. Também escreveu várias obras e foi roteirista de alguns títulos, além de ter sido professor de cinema da USP e da UnB. Neste domingo, dia 25, será realizado no Festival de Brasília o seminário Bernardet 80 Anos: O Impacto de Seu Pensamento no Cinema Brasileiro. No encerramento do festival, no dia 27, ele vai receber a medalha Paulo Emilio Salles Gomes.
Análise/A Destruição de Bernardet
Um filme instigador e experimental
Num dos muitos momentos de provocação de A Destruição de Bernardet, o próprio Jean-Claude se entrevista, e, numa outra cena, ele escreve uma carta em que se prepara para uma possível eutanásia para, logo adiante, protagonizar um encontro com um punhado de borboletas. Se o que vemos na tela é verdade ou ficção, o longa-metragem não se propõe a responder e é isso que faz deste filme um dos mais interessantes do Festival Brasília.
A obra tem como foco a dedicação recente do famoso crítico de cinema à carreira de ator. Há cerca de dez anos, com a visão cada vez mais comprometida, o intelectual que desde os anos 60 vem contribuindo para o pensamento sobre o cinema brasileiro resolveu ir para a frente das câmeras. Porém, essa transição não é retratada pelos diretores Claudia Priscila e Pedro Marques, além do produtor Kiko Goifman, de modo convencional.
Amigo pessoal do trio, com quem já trabalhou em filmes como Filmefobia (2008) e Periscópio (2012), Jean-Claude tem se mostrado um ator , no mínimo, interessante e carismático. Sua figura esguia e intimidante – sua atividade como crítico de cinema já foi motivo de várias polêmicas – desdobra-se em várias situações ao longo do filme.
Os diretores e seu biografado são cúmplices em corromper os limites entre documentário e ficção em nome de um cinema instigador e experimental. Sim, parte do que acontece em cena exige algum conhecimento sobre Jean-Claude, mas em geral a compreensão da narrativa não se ressente de muitas referências prévias, pois o tema do envelhecimento se sobressai.
Saber o que é verdade ou invenção não é uma questão primordial, já que a história com início, meio e fim do intelectual idoso que se redescobre como ator tem seu interesse próprio, ainda que contada de maneira pouco usual. Com uma dramaturgia envolvente e delimitada num rico arco dramático, a trama é pontuada por ironias e estranhezas que flertam com o cotidiano e também assume ares de fantástico. Os jogos metalinguísticos, que poderiam cansar, são desenvolvidos com leveza e criatividade pela equipe do filme, que não cai na armadilha do pedantismo, para alívio da plateia, brindada com uma deliciosa aventura cinematográfica.
A colunista de ERMIRA viajou a convite da organização do Festival de Brasília