Ao lado do monumental Parque Tres de Febrero, o maior da capital portenha, lá ficava ele: o belo e famoso Zoológico de Buenos Aires, emblema de uma cidade que se queria cosmopolita, o mais europeu dos centros urbanos da América do Sul. Fundado em 1875, o local sempre atraiu milhares de visitantes locais e turistas para ver seus animais, alguns raros e de grande porte. Esta história secular chega agora ao fim. Após muito debate público, o prefeito de Buenos Aires tomou a decisão que tantos acreditavam que ninguém teria coragem de tomar. O zoológico será fechado e se tornará um ecoparque interativo. E sem exibição dos bichos.
Essa mudança denota algo mais amplo que se vincula ao direito dos animais. Até pouco tempo atrás, mesmo com a vigência da Declaração dos Direitos dos Animais referendada pela Unesco em 1978, muita gente não dava a mínima importância para o que os bichos sentiam e sobre a pertinência de mantê-los em cativeiro. Os zoológicos encontram-se no centro desse debate, que já percorreu outros espaços. Isso aconteceu com os circos, que antes expunham os famosos domadores de feras tratando grandes felinos no estalo do chicote. Tal prática e outros números com ursos e elefantes adestrados foram sendo banidos em várias partes do mundo – no Brasil, circos são proibidos de manter animais entre suas atrações desde 2006.
Recentemente, o abate de dois leões no Zoológico de Santiago, Chile, para evitar que eles devorassem um homem que pulou no recinto para se matar, gerou comoção e duros ataques à administração do local. A questão é que os guardas cumpriram um protocolo de segurança previsto para tais situações. Já no Zoológico de Cincinnati (EUA), um gorila, que tinha uma criança nas mãos depois que ela caiu em seu fosso, também foi morto sob o temor de que ferisse o menino. Também houve críticas que apontavam que, neste caso, outra saída seria possível.
Outro setor que sentiu a força do ativismo pelos direitos dos animais foi a dos laboratórios farmacêuticos. Essas empresas se viram pressionadas a mudar seus procedimentos de pesquisa, evitando utilizar ao máximo, por exemplo, algumas espécies em seus testes, como cães e macacos, sobretudo para desenvolvimento de cosméticos. A União Europeia acaba de autorizar os países membros do bloco a vetar produtos que tenham sido testados em animais. Ficou famosa a invasão das instalações do Instituto Royal, em São Roque, interior de São Paulo, para o resgate de dezenas de filhotes de cachorros da raça beagle em 2013. Mais uma seara que vive sob constantes críticas é a dos rodeios. Estas festas são apontadas como causadoras de maus-tratos a cavalos e touros em suas apresentações.
A maior visibilidade de mortes em zoológicos pelo mundo – que o diga o de Goiânia, que chegou a perder mais de 80 animais de seu plantel entre os anos de 2009 e 2010, o que resultou em sua reforma completa diante das muitas críticas recebidas – ajuda a pautar o debate. Leis mais rígidas para maus-tratos contra animais e a transformação do olhar da sociedade sobre os bichos que a cercam alimentam as reflexões sobre como lidar com os eles. Frigoríficos foram praticamente obrigados a desenvolver métodos menos cruéis para abate de bovinos, suínos e aves, por exemplo.
Há nesse cenário, ao mesmo tempo, exageros, quando não algum radicalismo. Animais que deixam de ser o que são para ganharem status humano é algo muito frequente hoje em dia, ganhando toda sorte de privilégios, alguns representando riscos à saúde de seus donos. O chamado “mercado pet” revela o quanto as pessoas podem gastar com seus animais de estimação, muitas vezes tornando isso uma prioridade em suas vidas, afastando-se do convívio social e até fazendo sacrifícios pessoais para dar do bom e do melhor para seus bichos. E ai de quem ouse criticar tais posturas! Esse coitado será imediatamente atacado – não pelo animal, mas pelo seu dono.
A turma de Madagascar
Uma das franquias mais rentáveis e simpáticas do mercado de animações dos últimos anos trata, com humor e inteligência, do dilema que os bichos viveriam entre morar ou não em um zoológico. No caso, o quarteto formado por um leão, uma zebra, uma hipopótamo fêmea e um girafa macho foge do badalado Zoológico de Nova York, situado no coração do Central Park. Depois de experimentarem a natureza na África (nos dois primeiros filmes), eles querem voltar. Por fim, todos acabam em um circo europeu (na sequência número 3), até que conseguem seu intuito. A discussão sobre prós e contras de permanecer na jaula ou enfrentar predadores nas savanas é exposta com diversão e leveza, o que nem sempre acontece nos debates entre grupos que ocupam posições opostas em relação ao tema.
O possível fechamento dos zoológicos transita nesse contexto melindroso, mas a simples supressão desses espaços traz consequências e complicações que nem todo mundo leva em consideração. Não restam dúvidas que muitos desses recintos são inaceitáveis e inadequados, com jaulas pequenas, higiene péssima e animais estressados, privados de sua liberdade e definhando a olhos vistos. Há, no entanto, zoológicos e zoológicos. Um dos mais famosos do mundo é o de Berlim, casa do famoso urso polar Knut, que virou um xodó mundial após ser salvo depois da rejeição de sua mãe. Lá, pesquisas importantes são levadas a cabo, protegendo muitas espécies até de uma provável extinção.
Andando pelo zoológico da capital alemã, percebe-se que há um cuidado especial com os redutos dos animais e uma preocupação em aproximar essas atrações do público. As estrelas do parque, os grandes mamíferos, contam com amplos recintos, caso dos ursos, dos leões e dos tigres. Isso não impede, porém, que haja comportamentos estranhos. Ursos brancos e negros em movimentos repetitivos, rinocerontes um tanto tristonhos em seus cantos, gorilas com cara de poucos amigos. Melhor seriam que estivessem na natureza. Mas na natureza, há espaço para eles? A caça indiscriminada já exterminou subespécies de rinocerontes e agora ameaça elefantes, leões, tigres.
Quando visitamos zoológicos do porte dos de Berlim ou Buenos Aires, sempre fica a dúvida do que seria melhor para aqueles animais. Os que moravam no da capital argentina serão redistribuídos em santuários pelo país, o que também não garante um tratamento adequado. Na própria Argentina há um centro de visitação – o Zoológico de Lujan – em que as pessoas podem manipular filhotes de tigres. O espaço, entretanto, é acusado recorrentemente de dopar os animais para deixá-los dóceis o suficiente para os turistas, o que é veementemente negado. Recentemente foram descobertas em um mundialmente famoso mosteiro budista na Tailândia, onde os monges conviviam com tigres soltos, inúmeras irregularidades, com suspeita até de sacrifício de animais.
Se nos zoológicos há a privação da liberdade, por outro lado os bichos ganham nesses espaços, quando bem administrados, alimentação e tratamento veterinário adequados. Isso sem contar que é possível introjetar nas crianças, que adoram ver os animais, um pouco mais de consciência ecológica. Há muitas experiências para tentar minorar os pontos negativos. Uma delas ocorre no Brasil, com o modelo adotado no Simba Safari, em São Paulo, onde os animais circulam livremente em meio a veículos que transportam os visitantes. Mesmo lá já houve mortes misteriosas, que colocaram em xeque o trabalho desenvolvido.
O ativismo em favor dos bichos é fundamental para coibir abusos. Sem ele, ainda veríamos animais acorrentados, esfomeados, tratados sem o menor respeito em cada esquina do Brasil. Basta lembrar o fatídico episódio de um leão que, em uma apresentação circense no Recife, conseguiu alcançar uma criança e levá-la para dentro da jaula, matando-a. Ficou comprovado depois que o felino não havia sido alimentado, o que despertou seus instintos de caça. Portanto, toda vigilância em favor dos bichos é bem-vinda e necessária.
O naturalista do zoológico
Recentemente, o canal de TV britânico BBC fez uma série de programas especiais para comemorar os 90 anos de uma de suas maiores estrelas, o aventureiro David Attenborough. Ele estreou suas andanças pelo mundo na televisão em 1952 e em 1954 levou ao ar uma das atrações mais emblemáticas sobre as riquezas da natureza em todos os tempos. Chamado de Zoo Quest, o programa era uma parceria da BBC com o Zoológico de Londres, em que Attenborough e sua equipe percorriam todos os continentes atrás de animais exóticos, conhecidos ou não. O foco eram os répteis, mas aves, mamíferos e peixes não fugiam de seu interesse. Naquela longínqua década de 1950, era comum a captura dos bichos na natureza para levá-los a Londres, algo impensável hoje em dia. Attenborough nunca deixou, por conta disso, de ser encarado como deveria: um protetor da natureza, um apaixonado pela fauna.
Isso porém não pode se radicalizar a ponto de sair do bom senso. A legitimação desse discurso só é possível com equilíbrio, bons argumentos e analisando caso a caso. Se o fechamento do Zoológico de Buenos Aires é pertinente ou não, cabe uma discussão mais específica. Ao que tudo indica, a Argentina não teria muitas condições de fazer do local um diferencial científico, como as tem a Alemanha ou os Estados Unidos, com seus numerosos e populares zoológicos, como os de Nova York e San Diego.
Igualar todos os zoológicos, porém, pode ser um erro. Quem sabe seria mais inteligente lutar pela melhoria de tais espaços e não eliminá-los. Essa, porém, é uma briga que não começou agora, mas que se intensifica a cada dia.