Em termos políticos, o Brasil adora um poste. Como aquele motorista embriagado, nós, eleitores, temos uma propensão tremenda de, irresponsavelmente, encontrar um poste no qual possamos quebrar as fuças, rachar a cara. Ao invés do volante, a urna. Ao invés da cachaça, a promessa vã. Ao invés do vício, a cultura abjeta de estar ao lado dos poderosos, mesmo que esses poderosos não estejam do nosso lado. O resultado são eleições que há décadas sedimentam velhos caciques e encontram nomes messiânicos para resolver nossos problemas. Heróis tabajaras cacifados por governantes que só querem manter o poder, ainda que coloquem em seu lugar marionetes ineptas.
A eleição do empresário e apresentador de TV (um little Donald Trump paulistano) para governar os destinos da maior cidade do País revela essa nossa triste propensão. O tucano João Dória saiu do bolso do colete do governador Geraldo Alckmin, que não mediu esforços para emplacar o nome do almofadinha para o cargo. Mesmo passando por cima de correligionários e fazendo com que o seu candidato comesse pastel de feira na marra, Alckmin convenceu milhões de paulistanos a eleger seu poste. Um poste que vem suceder outro.
Em 2012, quando não se cogitava ainda que Lula poderia fazer uma viagem forçada a Curitiba, o ex-presidente usou o prestígio que tinha na época para convencer esses mesmos eleitores a eleger como prefeito de São Paulo o professor Fernando Haddad. O petista chegou cheio de boas intenções e até implantou políticas públicas interessantes, como a das ciclovias, mas esbarrou na inexperiência administrativa e na avalanche de denúncias contra seu partido e não passou sequer para o segundo turno em sua tentativa de reeleição. Sua luz apagou-se e ele entra para a história como um dos prefeitos mais impopulares de Sampa.
Antes dele, Paulo Maluf também elegeu um poste, codinominado Celso Pitta, que saiu da prefeitura paulistana arrastado por uma enxurrada de denúncias. Ainda teve Gilberto Kassab, o vice e poste de José Serra, que também fez uma gestão pífia. Com tudo isso, os anos foram passando e São Paulo tornando-se ainda mais caótica. Mas esse monte de postes existe apenas na esquina da Ipiranga com a São João? Nada disso. Nesse Goiás de meu Deus também tem poste a rodo.
“Nesse Goiás de meu Deus também tem poste a rodo”
O atual governador Marconi Perillo, quando terminou seu segundo mandato, em 2006, plantou um poste no Palácio das Esmeraldas para exercer uma espécie de mandato-tampão, a fim de esquentar a cadeira até seu retorno. Alcides Rodrigues parece não ter gostado muito do enredo e se rebelou contra seu padrinho. Goiás passou quatro anos quase em branco, com uma dívida enorme, sem investimentos, numa letargia que parecia caracterizar o gestor que o administrava. O poste de Santa Helena sequer se animou a continuar na vida pública.
Iris Rezende também nos deu um poste. Paulo Garcia herdou a cadeira de prefeito de Goiânia e conseguiu se reeleger (ainda o efeito Lula tinha serventia), mas sua administração foi sofrível em muitos aspectos. Por muitos períodos, não conseguiu manter os serviços mais básicos da cidade, como uma boa coleta de lixo, a manutenção das vias públicas e um atendimento de saúde decente. Sua candidata nestas eleições não teve nem 10% dos votos. Um vexame. E agora Iris renega o poste que implantou no Paço Municipal.
Para terminar, temos o poste do Planalto. Golpismos à parte, Dilma Rousseff foi uma invenção mal ajambrada de Lula, que destacou para substituí-lo uma pessoa sem qualquer preparo para o cargo, que mostrou-se centralizadora, incompetente para a administração da coisa pública e que levou a economia à bancarrota, com a ajuda de uma oposição irresponsável, de um vice traidor e de uma base aliada peçonhenta. Isso tudo, porém, não faz de Dilma algo que não um poste. Como poste foi Fernando Collor, surfando na onda do temor ao sapo barbudo em 1989.
A democracia brasileira precisa se fortalecer, ainda mais agora, momento em que manobras regimentais e jurídicas tiraram muito do valor do voto popular. Mas este mesmo voto popular precisa ser mais criterioso, menos passional, mais crítico e menos crédulo. João Dória, que vai levar para a Prefeitura de São Paulo uma primeira-dama que chama Paraisópolis de Etiópia, é mais um emblema, com suéter Ralph Lauren, a nos mostrar o quanto votamos mal. Como cachorrinhos dóceis, parece que saímos por aí a cheirar postes. Mas diferente dos pets, nós não os carimbamos com urina, como merecem; nós os elegemos para tomar decisões que afetarão nossas vidas.