A Quasar Cia. de Dança, o grupo que maior visibilidade deu à dança de Goiás, pode virar uma Organização Social (OS), gerida pelo Estado. O grupo, que chegou a anunciar a sua despedida da cena cultural nos primeiros dias de setembro com seu novo espetáculo A Distância Entre II, vê essa possibilidade com uma saída para a manutenção do seu trabalho, que ficou seriamente comprometido depois da crise financeira que o atingiu, em razão da perda de seus patrocínios, incluindo o da Petrobras. Nessa expectativa, a companhia dá seguimento a sua agenda de espetáculos de 2016, apresentando a coreografia Sobre Isto, Meu Corpo Não Cansa (2014), na Mostra Giro8 de Dança, neste sábado, dia 15, no Teatro Sesi. Em seguida, fará uma turnê pelo México.
Logo depois do anúncio da dissolução do grupo de dança mais famoso do Estado, que causou comoção na cena cultural não só em Goiás, mas em nível nacional, o governador Marconi Perillo chegou a publicar um artigo no jornal O Popular em que convidava a Quasar a fundar a Cia. de Balé de Goiás, sob patrocínio do Estado. Na terça-feira, dia 11, os diretores da companhia Henrique Rodovalho e Vera Bicalho estiveram no gabinete do governador para discutir o assunto. Marconi sugeriu, então, a criação de uma OS para dar continuidade aos trabalhos da Quasar. A fundação de uma nova companhia de dança foi descartada.
Nos próximos dias, Vera Bicalho deverá apresentar um projeto, quando serão definidos os recursos que o Estado, por meio da Secretaria de Estado da Educação e Cultura, vai destinar ao grupo para sua manutenção. Mais aliviada, ela explica que o nome Quasar será conservado, acrescido da designação Cia. de Dança do Estado de Goiás. Vera acredita que, com a OS, os projetos da companhia deverão ser mantidos. “O governador elogiou muito nosso trabalho. Sabe da sua importância. Para nós não será problema ter o Estado de Goiás no título, já que sempre o carregamos”, afirma ela, adiantando que, entre as exigências do governo ao aporte de recursos que fará na companhia, está a manutenção da agenda de apresentações em Goiânia e em cidades do interior e a estreia anual de um espetáculo.
Vera Bicalho diz ainda que pretende manter a associação cultural criada quando da fundação da Quasar para apresentar projetos, o cadastro de amigos da Quasar e os projetos para captação de recursos via leis de incentivo.
Melancolia
Em setembro, quando anunciou o encerramento definitivo das atividades, para consternação da legião de apreciadores do trabalho da companhia, a Quasar apresentou, no Teatro Goiânia, a coreografia A Distância Entre II. Este não é, seguramente, o melhor de todos os trabalhos do grupo. Talvez reflita o momento pelo qual passa a companhia. Trata-se, segundo seu criador Henrique Rodovalho, de uma continuidade do anterior Sobre Isto, Meu Corpo Não Cansa, que enfoca o romance, a paixão, a beleza da vida, a sensibilidade à flor da pele.
A Distância Entre II ressalta os mistérios da noite, as relações frugais, as atrações passageiras, as paixões repentinas, o sexo sem compromisso, momentos de intimidade. Solos, duos, trios, conjuntos buscam viver intensamente tudo o que a noite pode proporcionar. Mas, apesar da irradiante beleza estética, do desenho deslumbrante da luz com todas as suas nuances e do figurino perfeitamente adequado, o último espetáculo tem momentos de intensa melancolia.
Análise
Companhia elevou a dança brasileira a níveis da alta qualidade
Acompanho o trabalho da Quasar Cia. de Dança desde sua criação em 1988. Formada então por jovens e promissores bailarinos recém-saídos das escolas de dança de Goiânia, a companhia iniciou as atividades na Academia Energia, fundada pelo bailarino Julson Henrique, precursor da dança contemporânea em Goiânia. Em seguida, o grupo ocupou por um bom tempo o antigo Galpão da Universidade Federal de Goiás, onde hoje funciona o Centro Cultural UFG, na Praça Universitária.
Consolidado como uma das melhores do País, a Quasar saiu do Galpão direto para sede própria na Rua T-28, no Setor Bueno, ponto que se tornou referência na dança. Dezenas de bailarinos do Brasil e do exterior integraram o elenco da companhia, que, inicialmente, apostava nas cenas curtas, na técnica impecável, no estilo irreverente e no bom humor.
À medida que o tempo passava, a companhia só evoluía, conquistando mais admiradores a cada nova estreia, surpreendendo seu público com espetáculos inovadores. O reconhecimento nacional veio com a conquista do importante Prêmio Mambembe/1997, concedido pelo Ministério da Cultura/Funarte, com a coreografia Registro, pequenos autorretratos e imagens do homem e suas necessidades.
Marco do trabalho da Quasar, Divíduo utilizou recursos multimídia em tempo real para falar de solidão, separação, divisão de espaços e individualismo no mundo contemporâneo. O espectador também teve sua vez no espetáculo, fazendo participação especial. Talvez pela sofisticação tecnológica e os custos, o espetáculo não entrou na pauta da companhia, como Registro, Versus e outras que viriam a seguir.
Em Coreografia para Ouvir (1999), a Quasar apostou na cultura popular, tema inédito até então no seu currículo. Rodovalho inspirou-se no programa Sons da Rua, exibido pela TV Cultura para elaborar um espetáculo interessante, que se manteve no repertório do grupo como uma das mais solicitadas. Cantoria e ritmos populares como o maracatu enriqueceram os movimentos.
Outro momento importante vivido pelo grupo foi Empresta-me Teus Olhos, que contou com a participação dos idosos da Vila Vida. Sensibilidade não faltou ao coreógrafo ao abordar o tema da solidão e do abandono na velhice. A coreografia Só Tinha de Ser com Você (2005) foi outro ponto alto da companhia. Tanto que ganhou remontagem. Baseando-se no repertório do disco Tom & Elis, Henrique Rodovalho fez uma produção impecável.
Momentos importantes foram vivenciados pelo grupo ao completar 20 anos de atividades com Céu na Boca (2009), abordando as relações humanas, sem distinção de gênero. A iluminação deslumbrante ressaltou a perfeita sintonia dos movimentos. Com No singular (2012), o coreógrafo voltou a explorar os quadros curtos dos primeiros tempos. Na mais recente Sobre Isto, Meu Corpo Não Cansa (2014), em cartaz no Teatro Sesi neste sábado, 15, às 20 horas, o grupo fala das diferentes formas de amar, do amor romântico à paixão alucinada, da intensidade dos sentimentos ao rompimento repentino.
Em 28 anos de existência, a Quasar Cia. de Dança realizou um excelente trabalho de criação, elevando a dança brasileira a níveis de alta qualidade, formando grandes bailarinos e novos coreógrafos. Muitos dos bailarinos que passaram pela companhia atuam no mercado de trabalho como professores e coreógrafos dentro e fora do Brasil. Por tudo isso, todos os esforços, tanto do poder público quando da iniciativa privada, devem ser no sentido de garantir a continuidade das atividades do grupo.