Dia desses no elevador fiquei sabendo que uma vizinha está processando outros moradores. Dizem que ela “mete na Justiça por qualquer coisa”. Ela é como se fosse o Fluminense do meu condomínio. Recentemente, o time recorreu mais uma vez aos tapetes dos tribunais para tentar se dar bem. Em um jogo contra o Flamengo, eles tiveram um gol anulado corretamente. Mas resolveram recorrer ao STJD com uma balela que nem vou perder meu tempo discorrendo a respeito dela.
Para piorar, o presidente do Palmeiras, que não tinha nada a ver com paçoca ? a não ser atrapalhar o Flamengo que vem colado na classificação ?, deu entrevista coletiva dizendo que a anulação do gol do Fluminense tinha sido uma vergonha e que blá, blá, blá, oinc, oinc, oinc… Dias depois, o Palmeiras foi beneficiado por erros de arbitragem e o presidente do clube paulista ficou em silêncio. Não houve vergonha nesse caso. Mas o time adversário, o Figueirense, tentou anular esse jogo também. Que beleza! Enfim, é mais um campeonato brasileiro sendo decidido de modo exógeno.
“O caso do Fluminense é só um exemplo de como a Justiça no Brasil parece feita de argila. Vai se moldando de formas distintas, dependendo do escultor.”
Recentemente uma presidente eleita nas urnas do País sofreu impeachment em um processo que não ficou claro. Parece um pênalti duvidoso sobre o qual nem as câmeras da TV desvendaram o mistério. Juristas bateram cabeça por todos os lados querendo explicar se houve crime de responsabilidade ou não. No final das contas, uma minoria regida por interesses próprios resolveu “estancar uma sangria” (Jucá, 2016), e a presidente eleita acabou levando cartão vermelho. Esse jogo ainda segue e, por enquanto, a democracia vai perdendo de goleada.
O caso do Fluminense é só um exemplo de como a Justiça no Brasil parece feita de argila. Vai se moldando de formas distintas, dependendo do escultor. “Mas eu tenho o direito de entrar na Justiça”, poderíamos contrapor. Sim, você tem. Mas precisamos torcer para que todos tenham bom senso, assim o risco de injustiça é menor. Na comédia Medida por Medida, de William Shakespeare, há uma conversa entre juízes e um deles solta: “Faça uso da Justiça, mas com tal moderação para que ela não se transforme em tirania”. A lição serve para todas as partes, inclusive para legisladores e magistrados.
“Na comédia Medida por Medida, de William Shakespeare, há uma conversa entre juízes e um deles solta: “Faça uso da Justiça, mas com tal moderação para que ela não se transforme em tirania”.”
As peladas de futebol talvez tenham muito a ensinar sobre esse tema. Nelas não há árbitro. Prevalece o bom senso e a condescendência. Algumas regras são decididas antes do jogo e pronto. Se houver um arranca-rabo, geralmente é decidido ali mesmo. É preto no branco. Mas, do jeito que as coisas estão, daqui a pouco vai ter pelada sendo decidida nos tribunais. Enfim, o fato é que os tiranos dirigentes de clubes e da CBF fazem de tudo para a gente parar de gostar e de ver futebol brasileiro. E estão conseguindo.