De San Francisco (EUA) – As mais doces lembranças de aniversário da fisioterapeuta Chelesa Sunshine Faria vem desde seus primeiros anos de vida. Nascida num 17 de outubro no Oregon, ainda muito pequena viu bruxas, morcegos e abóboras invadir as festas preparadas pela mãe. Agora, mãe pela primeira vez de um garoto de um ano, está feliz por dar a ele o que recebeu na infância. “Outono é minha estação preferida e sempre me divirto muito nessa época”, ela diz sobre o Halloween, também lembrado como o Dia das Bruxas, celebrado ao redor do mundo no dia 31 de outubro, data de nascimento do seu bebê. Dias antes ela sinalizou a temporada de festa com um adereço no cabelo – um par de orelhas de animal.
Nos Estados Unidos o Halloween é um dos feriados mais aguardados e celebrados, embora a data tenha se originado do outro lado do Atlântico entre os antigos povos celtas. Quando termina o verão as lojas se abastecem de toda espécie de mercadoria que remete à comemoração, desde caveiras estilizadas até pernas e braços ensanguentados, além de fantasias amedrontadoras, produtos que desaparecem rapidamente das prateleiras. Este ano, vestimentas alusivas aos dois candidatos presidenciais – Hillary Clinton e Donald Trump – estão no topo da lista.
“Outono é minha estação preferida e sempre me divirto muito nessa época.”
Chelesa Sunshine, fisioterapeuta
A partir do incremento das escolas de idiomas o Halloween ganhou força no Brasil, mas sem a mesma intensidade dos países de língua anglo-saxônica. Para a maioria dos brasileiros se deparar com uma bruxa horripilante andando tranquilamente pelas ruas num dia qualquer de outubro pode parecer coisa de maluco, mas nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido isso é cultural. Assim como imagens que remetem à morte ou grandes abóboras de cor laranja estrategicamente instaladas na entrada das residências ou de estabelecimentos comerciais para afugentar os maus espíritos.
Noel Villanueva, 55 anos, conhece muito dos costumes norte-americanos durante o Halloween. Ele chegou aos Estados Unidos com 16 anos depois de deixar seu país de origem, as Filipinas. Ainda adolescente adorava se fantasiar para bater de porta em porta em busca de doces, na brincadeira batizada de trick-or-treat. Talvez por isso, ele se sinta tão à vontade em seu trabalho. Noel é vendedor no setor de festas de uma das lojas da gigante varejista Home Depot, especializada em produtos para o lar e construção civil. “Adultos e crianças se divertem muito nessa época e os pais têm orgulho de ver os filhos seguindo a tradição”. Perto dali, uma jovem mãe fotografa a filha de menos de um ano ao lado de bruxas e caveiras.
Ghost tours em San Francisco
Em San Francisco, que tem uma longa história vinculada a mistérios e assassinatos, o Halloween tem uma atração a mais. Há anos ocorrem na cidade passeios para se aproximar de fantasmas, os ghost tours, intensificados nessa época. Um dos mais concorridos é a peregrinação noturna à ilha de Alcatraz. A antiga prisão abrigou criminosos notórios, como o mafioso Al Capone, o cafetão e assassino Robert Stroud, o Birdman, e o gângster George Kelly Barnes, o Machine Gun. Muitos prisioneiros morreram na ilha e agora há relatos de ruídos misteriosos, como vozes, passos e movimento das portas das celas.
Anualmente, por ocasião do Halloween, a Biblioteca Municipal promove à noite um ghost tour ao City Hall, o imponente prédio da prefeitura inaugurado em 1915. O evento mais trágico ali data de 1978 quando o supervisor conservador Dan White assassinou a tiros o prefeito George Moscone e o também supervisor Harvey Milk, o primeiro gay a ocupar uma cadeira no Conselho Municipal de San Francisco. Dias antes, em conflito com Milk, White havia renunciado ao cargo, mas depois se arrependeu. Ao ouvir a negativa de Moscone de reintegrá-lo, se enfureceu cometendo os crimes. Na atualidade, seguranças noturnos relatam que ouvem ruídos estranhos no prédio.
O mais famoso ghost tour de San Francisco é o Vampire Tour, quando visitantes exploram o lado gótico de Nob Hill, o bairro onde há mais de cem anos foram construídas ricas mansões pelos barões das ferrovias. Segundo a lenda, vampiros vivem no subterrâneo de Nob Hill e os exploradores são convidados a se vestir como tal para o passeio de duas horas que, combinado com o habitual vento frio da cidade, deixa tudo mais sombrio.
Este ano, para dar um basta à histeria anti-palhaços, profissionais circenses do riso vão se reunir no centro de São Francisco um dia antes do Halloween no evento Make Clowns Great Again. A ideia é mostrar que ninguém precisa temer os palhaços e a referência ao slogan da campanha presidencial do republicano Donald Trump – Make America Great Again – não é mera coincidência.
Festa ‘pagã’ massacrada pelo catolicismo
O Halloween teve início na era pré-cristã pelos povos celtas, então encontrados em terras hoje europeias como Irlanda e Escócia. Pelo calendário celta, o ano começava em um dia correspondente ao atual 1º de novembro, marcando o início do inverno. Pastores, eles transferiam animais para pastagens próximas de casa e armazenavam colheitas para o novo ciclo. Era nesse período, segundo eles, que as almas daqueles que tinham morrido durante o ano se misturavam aos vivos antes de viajar para o outro mundo. Os maléficos, segundo eles, tornavam-se visíveis. Eles passaram a realizar então um festival chamado Samhain, cuja pronúncia é Sah-ween, quando se vestiam com peles e cabeças de animais para que os espíritos não os distinguissem como humanos.
Para os celtas, como nem todos os espíritos eram amigáveis, presentes e guloseimas eram deixados do lado de fora das casas para pacificar o mal e garantir colheita abundante no próximo ano, costume que evoluiu para o atual trick-or-treat. Eles também acendiam fogueiras para ajudar os mortos em sua jornada. Os druidas formavam a casta sacerdotal dos celtas, que eram não apenas líderes religiosos, mas também poetas, cientistas e estudiosos.
A transformação do Samhaim em Dia das Bruxas ocorreu no primeiro milênio depois de Cristo quando missionários cristãos tentaram mudar as práticas religiosas dos povos celtas. No ano de 601, o papa Gregório I editou um preceito orientando os missionários a não destruir costumes e crenças dos povos nativos, mas usá-los para difundir o cristianismo. “Este foi um conceito brilhante e tornou-se uma abordagem básica na obra missionária católica”, diz o norte-americano Jack Santino, historiador, escritor e professor de cultura popular, especialista em Halloween.
Segundo ele, em razão desse preceito, os dias santos da Igreja Católica foram propositadamente definidos para coincidir com as datas sagradas “pagãs”. O Natal, por exemplo, foi atribuído ao aleatório 25 de dezembro para corresponder com a celebração do meio do inverno de muitos povos. O 1º de novembro, Dia de Todos os Santos no catolicismo, nasceu para substituir o Samhain. Como o festival celta tinha ênfase no sobrenatural, os druidas foram considerados pelos missionários como adoradores de espíritos diabólicos e seus seguidores marcados como bruxas.
Apesar disso, as antigas tradições celtas continuaram no Dia de Todos os Santos (All Hallows). As atividades mais intensas ocorriam na véspera do dia 1º de novembro (All Hallows Eve), quando o povo ofertava comida e bebida aos espíritos e seus imitadores mascarados. Posteriormente, o All Hallows Eve tornou-se Hallow Evening, evoluindo mais tarde para Halloween. De acordo com Jack Santino, como as crenças associadas ao Samhaim não desapareceram totalmente, no século 9 a Igreja Católica criou uma nova data cristã, agora o 2 de novembro, Dia dos Mortos, quando os vivos rezariam pelos que já partiram.
Jack O’Lantern
A origem da tradição está numa história sobre um ferreiro alcóolatra e mesquinho chamado Jack O’Lantern que gostava de pregar peças. Jack convenceu o diabo a subir numa árvore e cercou o tronco com cruzes neutralizando os poderes do demônio. O ferreiro fez um acordo com o diabo: ele seria libertado sob a condição de que sua alma nunca seria tomada. Sem escolha, o acordo foi aceito pelo diabo. Ao morrer, sem ser aceito no céu e nem no inferno, Jack foi condenado a vagar pelas colinas e becos escuros da Irlanda. Suas únicas posses eram um nabo e um carvão em brasa ofertado pelo diabo. Jack colocou o carvão dentro do nabo para iluminar o seu caminho. Nos tempos modernos, abóboras são utilizadas por serem mais fáceis de esculpir.
Impacto Econômico
As tradições referentes ao Halloween chegaram à América do Norte em meados dos anos 1800 com imigrantes irlandeses e escoceses que fugiam da fome. Eles mantinham costumes singelos como o apple bobbing (uma maçã dentro da água ou dependurada que as pessoas tentam alcançar com os dentes) e jogos de adivinhações sobre futuros cônjuges. As festas comunitárias reuniam muita gente e o governo acabou instituindo o feriado nacional na primeira metade do século 20. Com o advento dos filmes de Hollywood, personagens como o vampiro Conde Drácula e o monstro de Frankenstein inspiraram o país a criar novas fantasias assustadoras remetendo aos primórdios das celebrações celtas.
Como a festa foi ficando cada vez mais divertida, nos anos seguintes o dinheiro direcionou a data. O Halloween é ansiosamente aguardado no mundo dos negócios norte-americanos. No varejo, a data só perde para o Natal em termos de faturamento. Há 11 anos a National Retail Federation (NRF), a federação do varejo dos Estados Unidos, realiza uma pesquisa para identificar mudanças comportamentais do consumidor em relação ao Halloween. Nos últimos anos, por exemplo, as mídias sociais ganharam um peso enorme pela sua capacidade de replicar os trajes usados. As fontes de inspiração para montar as vestimentas também são identificadas, como YouTube ou Pinterest. Com essas informações os varejistas preparam suas estratégias para que os consumidores encontrem de tudo na festa sazonal.
Em 2016, a expectativa da NRF é de que mais de 171 milhões de americanos participem das festas de Halloween levando a um recorde de faturamento no varejo: US $ 8,4 bilhões. Em média, cada consumidor vai gastar US $ 82,93 com fantasias e doces. Os clientes em potencial são jovens, com idades entre 18 e 34 anos, mas as crianças também são fundamentais. No ranking das fantasias para os pequenos em 2016, os super-heróis aparecem em primeiro lugar. Por outro lado, a pesquisa revela que 16% dos consumidores pretendem vestir seus animais de estimação com trajes referentes à data, em especial de abóboras.
Milhares de festas se espalham por todo o país e as agências de viagens também têm seu quinhão. Elas oferecem uma gama variada de ghost tours, entre eles para Salem (Massachusetts) onde mulheres foram executadas acusadas de bruxaria; Transilvânia (Romênia), terra do Conde Drácula; ou para parques temáticos, como o da Universal, em Los Angeles, que prepara uma programação alusiva à data. As casas assombradas tornaram-se um negócio de US$ 300 milhões e a cada ano, fazendeiros produzem milhões de quilos de abóboras. Somente no ano passado elas renderam US $ 90,2 milhões.
Trick-or-treat
Muito popular entre as crianças, a brincadeira de se fantasiar e bater de casa em casa em busca de doces a partir da frase “doçura ou travessura?”, veio dos povos celtas quando se pensava que as almas dos mortos estavam do lado de fora. Ao longo dos anos trick-or-treat vem ganhando variações por causa da segurança e do consumo excessivo de açúcar. Atualmente, muitas comunidades realizam festas do Dia das Bruxas em espaços que proporcionem maior controle sobre as crianças. Em 1950, por entender que crianças precisam mais do que doces, a Unicef entrou na brincadeira como uma maneira de ajudar a infância agredida pós Segunda Guerra. Desde então, incentivando crianças e adultos, a Unicef já arrecadou mais de US $ 175 milhões com o trick-or-treat e revela em sua página na internet que “é assustador” quanto bem a pessoa pode proporcionar ao fazer a sua doação.
Arrasou, Malu!
Excelente, Malu!