Em Vinte Anos (2016), de Alice de Andrade, Cuba é síntese harmônica de contradições como a música de seu povo. Ao mesmo tempo em que o filme explicita o atraso material de suas construções, de sua indústria inexistente, enfim a precária condição de sua infraestrutura, manifesta uma atitude avançada do ponto de vista civilizatório: a busca serena e íntima pela concórdia de sua população. A autora ilustra assim o aspecto-chave que exala daquela diáspora forçada: a busca de entendimento. Numa época em que o planeta parece se dividir de forma peremptória entre certos e errados, a ilha pulsar a unidade perdida parece situá-la na vanguarda do tempo.
Alice voltou a Cuba 20 anos depois da realização de sua primeira abordagem investigativa documental e visita, novamente, os mesmos casais de personagens para situar a evolução ou involução dos seus anseios. Sua câmera se dirige às suas vidas cotidianas e, desse modo, oferece um retrato original capaz de desfazer equívocos e exageros.
Um casal se exila em Miami, outro se separa. As filhas de outro casal, musicistas, também se separam, pois uma delas se exila na Costa Rica e consegue entrar na orquestra de lá. Um terceiro casal abordado mantém-se unido e firme nos ideais da revolução, trabalhando com sacrifício para manter-se disposto e dinâmico. Seria simples demais destacar do procedimento o aspecto científico. Um mesmo fator é observado em dois momentos distintos, de modo a poder com isso extrair a essência do fenômeno e perceber o que de fato se altera.
O filme borda as histórias sem julgamentos ou valoração de nenhum tipo e destaca apenas as emoções das pessoas, coisas que surgem naturalmente da ação. É um cinema verdade não ideológico. Nesse movimento técnico, percebe-se a migração das emoções, os fatores de mobilização que parecem constituir a humanidade inalienável de todos eles; contempla a razão, duração e revisita o contexto do amor à luz do que passou; narra a memória dos mutirões de moradia, a sede de progresso e a ocupação cotidiana no trabalho, nas vilas, nas casas. Mostra a vida dos que emigraram para Miami, onde a bonança não dá conta de um verdadeiro despertar, e percebe como as pessoas se mantêm ligadas a seus familiares e o quanto isso se revela, frente à distância, uma dor pronta para se manifestar. Iniciado o fim do embargo, o reestabelecimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos coincide com a chegada do wi-fi, ainda bastante caro, a especulação imobiliária, a desvalorização da moeda.
Aos poucos, torna-se impossível não perceber que Cuba vive uma diáspora humana derivada do fenômeno migratório resultado de décadas de impasse, embargo econômico e imobilismo político. O filme mostra a ilha com suas casas velhas, carros, bicicletas, praças e perspectivas remediadas. A vontade de reunir novamente o povo através das famílias coexiste independente das circunstâncias e ilustra a tolerância que caracteriza o dia a dia da população, um dado de excelência que se derrama no transfundo de toda a América Central.
Alice é filha de Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) e atualiza frente a artistas, intelectuais e ativistas a herança psicoemocional que lhe coube encarnar. Exibido o filme em sessão concorrida e prestigiada por produtores, exibidores, gestores e diretores de cinema, dentro da 40ª Mostra Internacional de São Paulo, Vinte Anos está em busca da paz. Alice não se rende, segue esperançosa frente às novas perspectivas e ansiosa para vencer a diáspora. Já não se sabe mais de onde vem, se de sua herança, da ilha, da autora ou do próprio filme, tal recado dado com todas as letras à contemporaneidade.
Veja no vídeo abaixo depoimento da diretora Alice de Andrade sobre o filme:
Como é bom a simplicidade, a matéria, a entrevista, o filme.
Tudo muito sincero muito translúcido, luz da melhor qualidade.
Sou seu fã incondicional