(Curadoria de Luís Araujo Pereira)
[1]
Então nos disseram para temer
dizendo-nos que não tínhamos certezas
Chamaram-nos de ignorantes
rebatemos, mas de olhos líquidos
Insistiram que não sabíamos enxergar
respondemos, mas de dedos torsos
Acrescentaram que não tínhamos tato
então, confiamos, saindo do sonho
Dissemo-nos Isto não é certo, não é
não fazemos nada certo, e repetíamos
Isto não é certo, não é, não fazemos nada certo
e cedemos nossa cabeça em bandejas
deixamos nosso corpo e nossa casa
de mãos lavadas dando as costas a cipoadas
sem mais dizer
nada
[2]
À deriva não, não é à deriva
não há mar, foi sequestrado
quando houve, naquele tempo
quem naufragou, as horas suprimiram
No mar, quando alguém sucumbe
até o nome dos ossos se afogam
Não, não é, não é à deriva
não há túnel de vento, nem vento
a brisa já é uma velha desconhecida
quem a conheceu, o cemitério levou
Num túnel de vento, quem se perde
até as horas não presenciam
Estamos na escrita arruinada
sem morfologia nem sintaxe
e de nossa voz, o passado
já se olvidou que fomos um povo
Na ruína, do que fomos
nem o pesadelo resta
[3]
Somos insolúveis, e isso
não é drama, é tragédia
Olhamos adiante para repetir ontem
e quando envelhecemos
voltamos ao pretérito
Aí as horas nos enrijecem e jamais
tornamo-nos monumentos
Não nos adianta feriados nem férias
continuamos adiante
sem linha obtusa nem curva
Seguimos à vela, queimando
até extinguir nossas pernas
[4]
Não, nenhuma época foi
mais nem menos indigente do que esta
sabemo-nos existentes, é patente
somente da que vivemos, e não adianta
recorrer às enciclopédias
nem se imaginar no ciclo das águas
nelas não nos misturamos e passam
mas amamos, é verdade
uma sobressaltada mansidão
e até aprendemos a fabricar a calma
contudo, também odiamos
ou nos entregamos à invisibilidade
[5]
Para expatriar-se desta terra
sequer
precisamos sair dela
nem devemos
basta permanecer em seu colo
que logo sem teima
o exílio um dia chega
Estarmos lá não dá saudade daqui
que aqui já é
o lugar da ausência
Se alguém acaso disser Há horizontes
sabe-se, há horizontes em todo lugar
Se fizermos uma faxina
um dia
em todos os palácios desta terra e transformá-los
em casas de festa e de oferendas
aí deixaremos de aguardar
horas inexistentes
Perfil
Jamesson Buarque é autor de Novíssimo Testamento (UFG, 2004), vencedor do edital de seleção da Coleção Vertentes (UFG, 2002); de Pluviário Perpétuo (PUC-GO/Kelps, 2011); de outra troia (artepaubrasil, 2010), contemplado com a bolsa Funarte de criação literária (2009). Recentemente, publicou Meditações (martelo casa editorial, 2015). Em 2013 venceu, na categoria poesia, o 1º Prêmio Literário Lacordaire Vieira do Estado de Goiás, da União Brasileira dos Escritores, com o poema Revelação, integrante de Meditações. Em 2014, recebeu, da Academia Goiana de Letras, o Prêmio Goyazes de Poesia, nominado Prêmio Leodegária de Jesus, pelo conjunto da obra. É professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, onde atua na área de Teoria e Crítica da Literatura, normalmente com as disciplinas de graduação Introdução aos Estudos Literários, Teoria do Teatro e Seminários de História da Literatura, e de Tópicos de Poesia na Pós-graduação. Realiza estudos sobre autoria literária, criação e ensino de poesia, bem como sobre poesia goiana.