Maria nunca se esqueceu do dia em que João lhe perguntara qual era o perfume que ela estava usando. Essa lembrança tinha na sua memória o peso de muitos anos. Naquela ocasião, respondeu de modo displicente, sem disfarçar um discreto escárnio na voz − um tipo ranzinza de vendedora:
“A marca ou a fragrância, moço?”
Nesse momento, aquele rapaz bem apessoado sentiu a hostilidade latente e pensou:
“O que devo responder, meu Deus?”
Enquanto isso, tão melancólica quanto mal-humorada, a moça esperava a resposta que julgava a mais apropriada para a situação. Sem dúvida, ele diria o nome da marca, pois, de acordo com a sua experiência, seria a resposta padrão que se esperaria de um bocó como aquele.
“A marca.”
Maria, a vendedora, e João, o cliente, estavam numa loja da Fleurs du Champ que exibia vitrines atraentes e letreiros estilizados. Por causa da anedota, eles sorriram e pareciam dois amigos se confraternizando depois de longa ausência. Eles riram e se golpearam nos punhos fechados, à moda dos pugilistas.
Em certo momento, João exclamou, ainda contendo o riso:
“Você me pegou feio, sua malandrinha!”
Depois, Maria comentou, apesar de ter vontade de acrescentar que ele era um paspalhão, mesmo sendo bem apessoado:
“A Fleurs du Champ”, ela começou a dizer, “é uma armadilha que engana as coitadas que querem ser desejadas e rejuvenescidas. Só mesmo uma mulher trouxa para acreditar que essa empresa é capaz de fabricar misses em série.”
A despeito de sua tolice, João tinha alguns vislumbres:
“Quer dizer que você é contra os seus patrões?”
A vendedora que trabalhava naquela empresa havia muitos anos, considerando-se preterida e explorada, não deixou por menos:
“Você entra na Fleurs du Champ, sente o aroma, vê todos os rótulos expostos e, em seguida, como um idiota, pergunta qual é a marca do perfume que estou usando… Ou você é engraçadinho ou é muito debiloide…”
Pouco à vontade com o desfecho, confessou:
“É… mamãe já falava que eu era mesmo um menino atrapalhado…”
João e Maria riram de novo, só que dessa vez cada um com menos entusiasmo.
Era um fim de tarde, e a cidade começava a se esvaziar, os carros dispersando-se rapidamente em várias direções. Uma sirene gemeu longe, ferindo o ar. Um pombo voou, outro o seguiu, ambos procurando o alto dos prédios.
Mais um dia esgotava-se.
Próximo do final de seu horário de trabalho, sentindo-se entediada e sem vontade de retornar ao seu quartinho de pensão, ela perguntou ao moço bem apessoado que estava à sua frente no balcão, meio sem graça:
“Uma cervejinha no bar ali adiante até que cairia bem, se você se interessar pelo convite, é claro. Lá também tem uma batucada boa.”
João riu um pouquinho e, em algum lugar de sua cabeça, pensou que são poucos os dias em que um bobo como ele era agraciado pelo Senhor.
Essa mulher e esse homem eram tão comuns, tão ingênuos, tão previsíveis, essas duas almas tão parecidas, que chegavam a dar nojo.
(De Entre as Folhas do Jardim, livro de crônicas inédito)
Gostei das Duas Almas!!