É noite de Natal, logo após o fim da Segunda Guerra, e o cenário é uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos. Reina um clima de alegria e confraternização – menos para um homem desesperado que, diante da perspectiva da ruína financeira, resolve se matar. Felizmente, é impedido a tempo por um anjo que desce do céu e lhe mostra como a sua vida, apesar dos sacrifícios e sofrimentos, havia sido digna e valiosa até aquele momento e como a existência daquelas pessoas que lhe eram mais caras teria sido muito pior caso ele simplesmente não tivesse nascido.
É noite de Natal, meados do século 19, e agora somos transportados para Londres. Apesar dos rigores do inverno, é época de celebração – menos para um velho milionário, solitário e mesquinho, tão avaro que economiza até os sorrisos. Nessa mesma noite, ele recebe a visita não só de um, mas de três seres sobrenaturais, que lhe fazem ver como a sua trajetória, até aquela altura, havia sido fútil e vazia, dedicada que fora a apenas acumular dinheiro. Uma vida inútil, que não tinha contribuído com nada para este mundo e cuja lembrança seria apagada rapidamente.
Os personagens das duas histórias são criações, respectivamente, do diretor norte-americano Frank Capra e do escritor inglês Charles Dickens. O primeiro é George Bailey, o protagonista do filme A Felicidade Não se Compra (1946), e o segundo é Ebenezer Scrooge, personagem principal de Um Conto de Natal, pequeno clássico de Dickens também já adaptado algumas vezes para o cinema, uma das últimas versões com Jim Carrey no papel do velho avarento.
Na tradição dos contos natalinos, que sempre encerram um ensinamento moral, essas duas histórias chamam atenção, além das correspondências que guardam entre si, porque também apresentam duas facetas do capitalismo.
A mais benigna, é claro, é a representada por George Bailey. Sim, o herói de A Felicidade Não Se Compra é um idealista, sem dúvida alguma de uma ingenuidade até risível para os nossos cínicos padrões atuais, mas não deixa de ser um empreendedor. Seu esforço em emprestar dinheiro para os moradores da pequena cidade onde mora, a juros honestos, para que estes possam ter sua casa própria, desperta a ira do poderoso banqueiro local, que faz tudo para arruiná-lo. Mas, entre Bailey e seu algoz, é Bailey que se mostra um visionário, ao apostar no crescimento da sua comunidade e na prosperidade de seus habitantes.
Scrooge, por sua vez, não passa de um parasita e não é à toa que este anti-herói de Dickens serviu de inspiração para Walt Disney criar Tio Patinhas, cujo maior prazer é ficar sentado sobre sua montanha de dinheiro. A fortuna de Scrooge não serve para nada. É uma riqueza que não promove nenhum desenvolvimento econômico e só cresce com a exploração dos outros.
Infelizmente, a ciranda financeira que tomou conta dos mercados globais é uma prova de que o capitalismo contemporâneo tem favorecido muito mais o apetite predador dos Scrooge do que a disposição empreendedora dos George Bailey.
Confira trailer de A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra:
Confira trailer de Os Fantasmas de Scrooge, de Robert Zemeckis, baseado no conto de Charles Dickens: