Nem a lembrança de que ao lado, na rua lateral, a Cardinal Lemoine, moraram algumas celebridades no passado, diminuía a depressão que o domingo lhe causava − sensações de abandono, de paisagens secas e devastadas e, com menor intensidade, de súplicas que não eram ouvidas pelo vento.
Quando chegava sem preâmbulos, esse mal-estar insidioso não respeitava fronteiras − ao contrário, gostava de arrastá-las e ultrapassá-las, uma a uma, como um ciclone adora devastar uma ilha.
Para afastar o peso do domingo, perguntou à francesa que estava à sua frente, elegantemente à vontade recostada no sofá:
“O que você está escrevendo?”
A mulher de cabelos anelados, envoltos por uma fita, respondeu:
“Escrevo algumas páginas do meu diário, mas antes de tudo escuto o álbum que você colocou…”
A Sinfonia Concertante K364 para Violino, Viola e Orquestra, de Mozart, preenchia cada canto do apartamento, como um beija-flor que paira no ar. Essa composição ajudava-o a suportar a opressão que os domingos lhe causavam. Ela funcionava como um símbolo perdido da nossa humanidade, o pó para o qual estamos todos condenados − esse pó que um dia se dispersará ao longo do esquecimento de tudo que fomos.
Aliás, Mozart deveria ser a salvação dos homens − não a droga das religiões ou a cocaína da política.
Depois de se embevecer com a melodia do segundo movimento, ela levantou de novo a cabeça do caderno no qual fazia as suas anotações e comentou:
“Ou você escreve com Mozart, ou é preferível fazer outra coisa.”
“Como passar o aspirador no carpete ou lavar as vasilhas?” − perguntou.
“Sim, algo como isso.”
“Nesse caso”, concluiu, “é preferível sempre ouvir Mozart, e escrever.”
Em todos os domingos em Paris, quando ouvia os sinos da igreja de Saint-Étienne-du-Mont, uma tristeza tomava conta de sua alma, uma tristeza inexplicável que só os homens melancólicos carregam − o peso da cruz dos penitentes.
Os sinos plangiam com os seus toques metálicos, e parecia que um canto fúnebre embalava-o, como o dos sinos das pequenas aldeias anunciando uma morte súbita.
Em um desses domingos, quando a bela francesa passou a frequentar o seu apartamento, e ele já não prestava mais tanta atenção aos domingos, ela lhe disse como um arremate à música que escutavam.
“Essa sinfonia, segundo o meu juízo, vai continuar ultrapassando o nosso tempo. Além de Mozart, não há nada, a não ser a aflição e a morte, a não ser a ausência de sentido e o temor à beleza…”
Como um buquê que preenche o ar de aromas, ela tinha o agradável hábito de passar o domingo na casa de seu amante. Esse dia da semana era esperado com ansiedade, como o anúncio de um prêmio.
Invariavelmente, com algumas alterações, eles preparavam um almoço à base de frutas, salada, pão, queijo, vinho… Depois, passavam a ouvir música, conversar e escrever. Às vezes, ficavam o tempo todo nus. Ela não tinha o recato das mulheres que cobrem o corpo após uma transa, nem ele tinha o pudor de se sentir exposto com o seu corpo magro. Eles se gostavam, e isso era o suficiente, para resumir com um clichê vagabundo o que eles viviam. Ele adorava quando ela ficava por cima de seu corpo e lambia suavemente a sua orelha, umedecendo-a e murmurando com vagareza:
“Você nunca deve ser derrotado pelo sétimo dia…”
Ao anoitecer, ela pegava a sua mochila e se mandava, falando um aforismo engraçado:
“A noite é o dia que escureceu” − e depois acenava um adeus.
A melancolia que a tarde do domingo lhe causava tinha passado, mas ficavam no apartamento os travesseiros abandonados e o odor de frutas maduras. As noites de domingo representavam porém outra ameaça, aquela que ele ainda não dava conta de conter.
Há muito tempo, sabia que os homens como ele − tristes e desencantados com o mundo − são os piores de ser consolados, pois para eles não há salvação.
Excelente crônica!! Saborosa de se ler. Parabéns.
Adoro sua escrita, Luís Araújo!
Agradeço a apreciação. Abraços