Num momento em que o cenário político dos Estados Unidos vai se tornando cada vez mais sombrio, não é uma ironia que justamente um musical à moda antiga seja a nova sensação de Hollywood? Vale lembrar que, durante os anos do macarthismo, logo após a Segunda Guerra Mundial, o clima de intolerância e perseguição que se instalou no país levou os estúdios a priorizar a produção de musicais e comédias românticas, que passavam longe de qualquer discussão de cunho mais político. Estaria agora a indústria do cinema, ainda que inadvertidamente, dando uma forcinha a Trump, ao oferecer uma boa dose de escapismo às massas, enquanto o presidente norte-americano vai colocando em prática sua lista de maldades?
No entanto, apesar de algumas críticas que recebeu da imprensa norte-americana neste sentido, enquadrar o musical La La Land simplesmente como um filme “escapista” é fechar os olhos para as inegáveis qualidades desse musical notável, que muito justamente foi recordista de indicações ao Oscar deste ano.
Para começar da magnífica sequência inicial, na qual bailarinos de diferentes etnias cantam e dançam em meio a um gigantesco engarrafamento em uma das autopistas de Los Angeles, La La Land já de cara confronta a retórica e as atitudes de Trump contra os imigrantes. O cenário retratado no filme mostra o que os Estados Unidos de fato são: um país multirracial. Sim, o casal de protagonistas é branco e a mocinha tem adoráveis olhos azuis, mas eles circulam e convivem num universo miscigenado, habitado por latinos, negros, orientais.
Se uma das promessas de Trump é tornar a América “grande” outra vez, nunca é demais lembrar que a grandeza norte-americana é fruto justamente da sua diversidade. La La Land, uma referência a Los Angeles, a “cidade dos sonhos” que é cenário do filme, só pôde afinal se tornar o centro da poderosa indústria cinematográfica dos EUA – um dos emblemas da “grandeza” do país tão propalada por Trump – porque sempre acolheu talentos de várias partes do mundo.
Aqui cabe uma analogia com o que o herói romântico de La La Land diz a sua amada, a respeito do jazz: por ser uma arte do improviso, o jazz exige uma intensa e contínua negociação entre os músicos e seus diferentes instrumentos, que buscam juntos uma harmonia rítmica, mas sem abrir mão das suas individualidades artísticas. Da mesma forma, a nação norte-americana (assim como a brasileira) também é fruto de uma ininterrupta negociação entre os diferentes grupos sociais e étnicos que a compõem, evidentemente de maneira nem sempre tão harmônica como ocorre no jazz.
Essas considerações, é claro, dizem respeito a aspectos mais secundários do filme, já que o propósito de La La Land é mesmo prestar uma homenagem aos musicais da época de ouro de Hollywood. E faz isso sendo fiel ao espírito deste gênero cinematográfico que fez tanto sucesso nas décadas de 30 a 60 do século passado, sem apelar para a ambientação kitsch de Moulin Rouge (2001) ou o histrionismo das atuações de Chicago (2002) – dois exemplos de superproduções que, nos últimos anos, e apesar do Oscar de melhor filme dado ao superestimado Chicago, tentaram sem muito sucesso reinaugurar a era dos musicais no cinema.
Para trazer de volta essa magia dos musicais clássicos às plateias contemporâneas, o diretor Damien Chazelle (de Whiplash) não precisou reinventar a roda, mas apostou na fórmula que sempre garantiu o sucesso dessas produções. E essa fórmula exige, em primeiro lugar, uma trilha sonora envolvente, tendo em vista que um musical cujas canções não permaneçam depois na cabeça dos espectadores já frustrou uma de suas principais expectativas – e esse objetivo La La Land cumpre de forma brilhante, com músicas como Another Day of Sun, Audition e a já tornada clássica City of Stars, digna de configurar no cancioneiro norte-americano ao lado de grandes sucessos de compositores como Cole Porter e os irmãos Gershwin.
O outro grande trunfo do filme é o casal protagonista vivido por Ryan Gosling e Emma Stone. Na pele de Sebastian, um pianista um tanto quanto blasé cujo visual e timbre de voz lembram o estilo cool de Chet Baker, Gosling forma um par ideal com Emma Stone, que dá vida a Mia, uma aspirante a atriz com um jeitinho sapeca e sonhador que evoca estrelas como Audrey Hepburn. Ambos conseguem dar a medida exata de delicadeza e charme aos seus personagens que, das rusgas iniciais à paixão pudica, vivem uma bela história de amor nos cenários coloridos e estilizados de Los Angeles, trazendo de volta o lirismo de cenas antológicas protagonizadas por Fred Astaire e Ginger Rogers, Gene Kelly e Debbie Reynolds, entre outros casais de apaixonados do cinema que se tornaram inesquecíveis.
Desde quando La La Land foi lançado, críticos e fãs têm procurado apontar as referências no filme, umas explícitas e outras mais sutis, aos grandes musicais da história do cinema. De West Side Story a Cantando na Chuva, de Um Americano em Paris a Guarda-Chuvas do Amor, as citações são de fato em grande número. Entretanto, essas homenagens não podem ser vistas apenas como uma expressão nostálgica em relação a um passado que não volta mais. Porque o que La La Land faz, com maestria, é algo que o melhor cinema, em qualquer tempo, pode realizar: a capacidade de nos transportar para um mundo de magia e encantamento.
Confira abaixo o trailer do filme: