A cidade não é nomeada – possivelmente Teerã, capital iraniana –, mas as questões levantadas são familiares a muitos países, como o Brasil. As primeiras cenas de O Apartamento sugerem uma tensão que, paulatinamente, se esgueira em todo o novo trabalho do diretor iraniano Asghar Farhadi. As cenas trazem várias pessoas, incluindo o casal protagonista, saindo às pressas de seus lares porque o prédio onde moram está literalmente tremendo. Todos gritam que o edifício vai desabar, as paredes começam a rachar, os vidros a trincar. Uma obra no terreno ao lado explica o perigo.
A partir daí, o casal precisa encontrar um outro lugar. Eles são atores e o marido também acumula a função de professor. Tudo isso é desvelado em cenas rápidas de um urbanismo caótico que se alternam com o ritmo mais lento de um palco cheio de cenários. Marido e mulher participam de uma montagem da peça A Morte do Caixeiro Viajante, obra-prima do dramaturgo norte-americano Arthur Miller (a pequena provocação na referência aos Estados Unidos fica evidente). Isso dá a Asghar a oportunidade de levar à telona uma metanarrativa poderosa que fica velada na maior parte do tempo para se revelar explosiva.
O Apartamento, vencedor Oscar de Filme Estrangeiro e uma das principais atrações da 10ª edição da mostra O Amor, A Morte e As Paixões, nos cinemas Lumière do Shopping Bougainville, tem a habilidade de mudar seus rumos constantemente sem histrionismo e procedimentos forçados. Tudo é orgânico, sobretudo sua base dramática. Depois de se verem obrigados a sair do antigo lar, o casal de atores encontra um outro lugar para viver, um apartamento mal cuidado de um colega de elenco. O problema é que um dos quartos está atulhado com pertences da inquilina anterior, mulher misteriosa que nunca aparece, mas que se faz presente o tempo todo.
Em uma sociedade de extremo conservadorismo religioso e comportamental como é a do Irã, onde cobra-se das mulheres uma posição de submissão e de conduta moral ilibada, esta personagem sem nome confronta as regras. Aos poucos ficamos sabendo que sua vida amorosa era bastante agitada e isso acaba por afetar os novos moradores do apartamento. Uma noite, em que está sozinha, a atriz é atacada no banheiro por um desconhecido. A partir daí, a tragédia se avizinha em cada cena, em cada fala do filme. Com atuações impressionantes e uma câmera às vezes nervosa, às vezes domada, a produção leva você para dentro dos medos e rancores dos personagens.
“O Apartamento tem a habilidade de mudar seus rumos constantemente sem histrionismo e procedimentos forçados. Tudo é orgânico, sobretudo sua base dramática”
O interessante em O Apartamento é o cuidado narrativo em cada detalhe. Todas as expressões, todos os enquadramentos, todas as pausas nas falas contam para que possamos compreender o que se passa à nossa frente. Até mesmo a piscadela da câmera quando enquadra uma imagem de Marilyn Monroe no canto da cena – lembrando que Marilyn e Arthur Miller foram casados. O diretor Ashgar, que ganhou seu primeiro Oscar pelo não menos intenso A Separação, consegue a proeza de falar de tudo a partir de cenários minúsculos – o famigerado apartamento de dois quartos do casal – ou falsos – o palco onde a peça, igualmente dramática, é encenada aos poucos, numa equivalência nem sempre previsível com os fatos que ocorrem na vida de seus atores.
“Todas as expressões, todos os enquadramentos, todas as pausas nas falas contam para que possamos compreender o que se passa à nossa frente”
Com um desfecho espetacular e cheio de simbolismo e diálogos duros, cortantes, secos, O Apartamento é um daqueles filmes que mostram o quanto a lentidão pode ser atordoadora e o quanto a tensão pode surgir de algo prosaico. Aliás, são justamente os elementos trágicos escondidos sob o manto do cotidiano que afloram com uma força irrepreensível no filme. As armadilhas da vida estão à espreita e podem ser destruidoras. As reações mais exacerbadas podem vir à tona sem aviso, sem prévias. Como aquele prédio da primeira cena, há muitas fendas, muitas trincas, está tudo prestes a desabar.
Serviço
Evento: 10ª Mostra O Amor, A Morte e As Paixões
Atração: 100 filmes de 33 países
Período: Até 1º de março
Local: Cinemas Lumière (Shopping Bougainville) – Rua 9, Setor Marista
Ingressos: R$ 13,00 (valor único para compra unitária); Passaporte Bronze, com 10 ingressos (R$ 120,00); Passaporte Prata, com 20 ingressos (R$ 220,00); Passaporte Ouro, com 30 ingressos (R$ 300,00); Filiados ao Sindicato dos Professores (Sinpro) e à Associação dos Docentes da UFG. (ADUFG) pagam R$ 10,00.
Importante: Os passaportes são individuas e intransferíveis
Informações: cinemaslumiere.com.br/mostra