Há mais de 25 anos, Amaury Menezes, o artista das paisagens urbanas e cenas do cotidiano, cumpre horário de trabalho rigorosamente no seu ateliê, instalado em um prédio no Setor Oeste. Como um funcionário disciplinado e cioso de suas obrigações, ele chega às 8 horas da manhã, faz intervalo de almoço, e retorna às 14 horas como todo trabalhador. Aprecia a rotina que faz questão de manter desde que começou a trabalhar na juventude. Ex-bancário, professor aposentado da PUC Goiás, está há mais de 70 anos na ativa sem reclamar.
Aos 87 anos, Amaury Menezes mergulha diariamente na magnífica paisagem que se descortina de sua janela, apesar da imensidão de arranha-céus ao redor. Por incrível que pareça, o silêncio impera no ambiente. Obras de artes se misturam aos livros da biblioteca e aos discos de música clássica que ouve enquanto pinta. Cavalete, avental e paleta de tintas ficam ao lado, na ampla sala, como amigos inseparáveis.
Senhor de hábitos simples, fala mansa e muito afável, Amaury só se ressente mesmo da falta de visitas, raras nesses tempos de múltiplas ocupações. Lamenta que as pessoas não se visitem mais. “Antigamente eu recebia muitos amigos. Eles vinham conversar, trocar ideias, pintar. Sinto falta dessa convivência. Agora só encontro os amigos nas exposições”, diz o artista.
Amigo e companheiro dos maiores nomes da pintura em Goiás, como Frei Nazareno Confaloni, DJ Oliveira, Gustav Ritter, Cleber Gouvêa, Sáida Cunha, Ana Maria Pacheco, Siron Franco, Juca de Lima, Amaury recebia todos eles no seu ateliê, que anteriormente ficava na Av. Goiás, próximo à Praça do Bandeirante, bem no coração da cidade. Todos davam uma passadinha por lá para um dedo de prosa. A amizade próxima com DJ Oliveira rendeu o livro DJ Oliveira – Operário da Arte, lançado em dezembro de 2016 no Palácio das Esmeraldas pelo Instituto Arte Cidadania (leia sobre o livro em http://ermiracultura.com.br/2016/11/18/encontro-de-mestres). Amaury conta que o próprio DJ o escolheu como biógrafo.
Antes tentara manter o espaço de pintura em sua própria casa. A experiência não deu certo. “Nunca me senti um profissional trabalhando em casa. Muitas vezes tinha de deixar o que estava fazendo para atender problemas domésticos. Então achei melhor separar o ateliê da casa. Aí sim passei a me sentir um profissional da pintura”, ressalta. No aconchego do ateliê, pode ler, ouvir música, pintar e receber as visitas.
Além da pintura, os retratos são outra atividade marcante na carreira do artista, um atento observador do cotidiano urbano. Mais de 40 galerias de personalidades políticas e públicas de Goiás e Tocantins levam a inconfundível assinatura de Amaury Menezes. Os retratos são encomendados e, atualmente, os maiores dividendos do artista. Retratos dos amigos Cleber Gouvêa, DJ Oliveira, Sáida Cunha, Dinea Dutra, Siron Franco estão expostos na parede do ateliê. Encomendas de retratos e quadros são constantes, por isso trabalha no ateliê até nos fins de semana. “Faço um quadro no mesmo dia. Quando começo a pintar, vou até o fim. Nada fica para depois”, afirma. Os retratos exigem mais tempo, vão sendo lapidados com esmero para chegar à perfeição. Amaury já perdeu a conta de quantos governadores, políticos, escritores, magistrados goianos e tocantinenses retratou a lápis ou nanquim.
A memória prodigiosa e a máquina fotográfica sempre em punho captam momentos, pessoas, lugares, que posteriormente serão impressos na tela em técnica aquarelada, uma marca que ele mesmo desenvolveu. Amaury fotografa desde os 12 anos, quando ganhou a primeira máquina fotográfica de sua vida do pai, Plínio Moreira de Menezes, um exemplar funcionário do Ministério da Agricultura que veio para Goiás em 1933. Nos primeiros tempos na nova capital, morou na Av. Ipameri, em Campinas. Depois, o pai construiu casa própria na Av. Araguaia, no Centro. A paixão pela fotografia equipara-se à da pintura. Máquinas antigas estão expostas no ateliê. Não perde nenhum foco da cidade que o acolheu vindo de Luziânia, onde nasceu. Acompanhou de perto o crescimento da nova capital desde os primórdios. Possui amplo e valioso acervo fotográfico de Goiânia, que está sendo digitalizado.
O pai, segundo ele, foi a primeira pessoa a apostar no talento do filho. “Ao ver um desenho de um carro que eu tinha feito com pedras, meu pai me trouxe uma caixinha de lápis de cor e um bloco de desenho. Eu tinha seis anos”, conta. A fotografia viria em seguida. “Ele nunca me disse nada. Mas foi o primeiro a ver em mim um artista”, recorda.
A primeira exposição de Amaury Menezes foi realizada no Teatro Emergência, antigamente instalado onde hoje fica a entrada do Jóquei Clube de Goiás, em 1959. Na coletiva, expôs duas aquarelas, que foram vendidas para a escritora Regina Lacerda. Considera aquele ano o marco de sua profissionalização como pintor.
Amaury iniciou a carreira como autodidata pintando aquarelas. Achava que aquarela era a técnica mais fácil porque dependia só de um estojo, pincel, papel, tinta e um copo d´água. Não foi bem assim. Apanhou da aquarela, uma técnica difícil que não admite retoques e com uma característica peculiar: não existe tinta branca para ela. Por causa da formação inicial, considera-se um aquarelista. Tanto que prepara suas telas com a mesma técnica. Encomenda os chassis, estica a lona, prepara a tela com uma receita toda especial para que a tinta a óleo tenha a mesma consistência e os mesmos traços da pintura em aquarela.
Quando foi estudar Belas Artes na Universidade Católica de Goiás, Amaury Menezes conheceu DJ Oliveira, Frei Nazareno Confaloni, Gustav Ritter, Henrique Péclat. Confessa que, na sua atividade de artista profissional, foi influenciado pela trupe de modernistas que chegava a Goiás vindos de São Paulo e da Europa, lugares de grande efervescência artística. Mas não interferiram na sua técnica. Com eles, aprendeu a ter disciplina.
Rótulo
Pintura emocional. É assim que Amaury Menezes define a sua arte. Mas já o rotularam de expressionista, hiperrealista, decorativo. Nenhum rótulo o incomoda mais. “Não estou preocupado com rótulos ou modismos, pinto a minha realidade e aquilo que me emociona”, desabafa no livro Confesso Que Chorei – Uma Agenda de Segredos e Inconfidências, edição particular feita para a família e os amigos mais próximos. Na obra, que marcou seus 80 anos, celebra a família, os amigos, as lembranças, mágoas e alegrias com muita franqueza. “Uma tela branca é um espelho. Cada pintura que eu faço é um autorretrato. Minha vida está refletida nos meus quadros”, sublinha.
Cartões-postais da cidade de Goiás, imagens corriqueiras de Goiânia, paisagens, marinhas, trabalhadores, transeuntes, jardins, parques, flores, figuras anônimas compõem sua ampla coleção de temas. A paleta de cores é variada, vibrante, alto-astral. No momento, o artista dedica-se à pintura de jovens e adolescentes bailarinas. Para pintá-las, visitou escolas de dança, fotografou as meninas enquanto descansam. Já expôs alguns quadros da série, mas pretende ampliá-la para fazer uma exposição individual. O título da mostra será Releitura de Degas, homenagem ao impressionista francês que tão belamente pintou as bailarinas. “Não tenho pressa. Só marco uma exposição quando tenho o material todo pronto”, revela.
Ebulição
Nos anos 1970/1980, Goiânia viveu um intenso movimento artístico e cultural. Diversos talentos despontaram nesse período. Os ateliês estavam em ebulição criativa e as galerias pipocavam. Todo fim de semana, um grupo de artistas formado por Amaury Menezes, DJ Oliveira, Sáida Cunha, Juca di Lima, entre outros, saía pelos arredores da cidade para pintar ao ar livre, como faziam os impressionistas franceses no final do século XIX . Eles mantinham uma saudável convivência com a comunidade, que os admirava e comprava suas obras. “Foi um convívio muito bom com o público. Desses surgiram vários talentos. A gente pintava a cidade e o pessoal gostava ”, relata o artista.
Nenhuma daquelas galerias sobreviveu. Hoje, elas são raridade numa cidade de tantos criadores. Para Amaury, a situação não é exclusiva de Goiânia. “A obra de arte é mais supérflua do que perfume. Quando a gente começa a cortar gastos, corta logo o supérfluo. Obra de arte pode ficar pra depois. A retração do mercado de artes foi muito grande”, lamenta. Como em Goiás não existe a figura do colecionador, apenas o apreciador, o caso ainda é mais complicado, na visão do artista. “O colecionador compra em qualquer situação. Ele é um investidor. Compra uma obra de arte como se estivesse fazendo um investimento, além do prazer estético que ele sente. O apreciador, ao contrário, pode deixar essa apreciação para depois”, avalia.
Houve um tempo em que Amaury não dava conta de atender às encomendas. Vendia todas as telas que pintava, sem contar os retratos de personalidades políticas e culturais. Hoje a situação mudou, para desgosto do artista. Com a pintura de retratos, consegue equilibrar sua renda, apesar de não ser a atividade que mais gosta de fazer. Aposentado pelo INSS desde 1986, é com seu trabalho de pintor e retratista que mantém as contas em dia. Casado há 62 anos com Canary (80), Amaury Menezes tem quatro filhos, três netos e uma bisneta. Nenhum seguiu a carreira do pai.
Crítica
Na infância, Amaury foi diversas vezes repreendido na sala de aula por pintar o professor durante as aulas. Não era descaso da parte dele com os mestres, ele garante. Queria apenas registrar no papel a paisagem que estava vendo. Como é um morador da cidade, sua paisagem é urbana. “Na pintura, única forma de expressão que não encontro barreiras de linguagem, eu consigo demonstrar tudo o que sinto e percebo, e essa sensibilidade está voltada para as coisas aparentemente sem importância, mas importantes para mim”, escreveu em Confesso que Chorei.
Alguns críticos de arte derramam-se em elogios às criações do artista. Outros, pelo contrário, reprovam suas obras. Com tantas décadas de carreira, o artista diz que hoje não se incomoda mais com o que dizem do seu trabalho. Mas teve época, revela, que sofreu muito com as críticas negativas. “Eles diziam que meu trabalho não evoluiu, não tem horizonte, é repetitivo. Outros que sou coerente no que faço. Não sei se aceito a crítica de que não tenho horizonte ou se aceito a crítica de que sou coerente. No momento em que me despreocupo da crítica, pinto o que gosto”, afirma. E alfineta: “Para mim, não há melhores críticos do que o público e o tempo. É esse o julgamento que espero”.
Em 2016, o artista participou de uma exposição no Chile com o colega G.Fogaça, outro talento goiano que pinta paisagens urbanas. Fogaça investe na agitação, no trânsito caótico das grandes cidades. Quase abstrai as imagens em tons vibrantes e pinceladas nervosas. Amaury , ao contrário, extrai o belo e o poético. Foi um grande momento na sua longa trajetória artística.
Grafite
Para o artista, a arte em Goiás vai muito bem, em plena ebulição. Os jovens talentos da arte contemporânea estão projetando o Estado nacionalmente. Porém, evita destacar nomes das novas gerações para não cometer injustiças. Da turma antiga, da qual faz parte, cita Siron Franco, Ana Maria Pacheco, Iza Costa, Sáida Cunha, além dos veteranos DJ Oliveira, Frei Confaloni, Gustav Ritter, como grandes valores da arte goiana.
Sobre a polêmica dos grafites, que o novo prefeito de São Paulo, João Doria, mandou cobrir de cinza porque, segundo ele, sujavam a cidade, Amaury considera-os como uma importante expressão artística. “ O grafite é a única forma de democratizar a arte. Tem gente que fica muito constrangido em frequentar uma galeria ou um museu para ver uma obra de arte. Você compra um quadro, leva para sua casa, prega na parede e ninguém nunca mais vê, ao passo que o grafite está na rua, todo mundo vê. Muitos artistas migraram do grafite para as artes plásticas”, afirma, sublinhando que “há muita gente competente fazendo grafite em Goiânia”. (Com colaboração de Rosângela Chaves)
No vídeo abaixo, Amaury Menezes aconselha os jovens artistas a apostar na sensibilidade e também comenta sua própria obra e sua relação com a crítica:
Como sempre PARABÉNS ! ERMIRA está dando um show c essa excelente equipe. Quando saem as matérias da ERMIRA não temos vontade de para de ler. SUCESSO a TODOS VCS GRANDES JORNALISTAS QUE TANTO COLABORAM P O CONHECIMENTO MELHOR DE GOIÁS.
Tenho por obrigação agradecer essa reportagem que retrata, com fidelidade, o meu trabalho e a minha vida, mas principalmente agradecer também a agradável visita das amigas Valbene e Rosângela.
Com a larga experiência dessas jornalistas foi possível produzir uma matéria cuja leitura e entendimento fica fácil para o observador e ao mesmo tempo valoriza o meu trabalho.
Obrigado minhas amigas e espero receber novas visitas suas.
Amaury Menezes.
Caro Amaury,
Nós é que agradecemos pela bela manhã que passamos no seu ateliê, tendo a chance de conhecer um pouco de uma trajetória tão rica e iluminada como a sua. Um abraço!
Rosângela e Valbene
Que beleza de trabalho uma retratação perfeita de um pintor tão renomado como Amaury Menezes. Parabéns a jornalista Valdene Bezerra, Rosangela Chaves em descrever com tanta emoção.
Caro Amaury,
Tenho uma das tuas obras de 1984 (uma banca de fruta em Brasilia) e estou muito satisfeita de ter lido este artigo- obrigada pelo quadro (que me foi dado como presente de casamento em 85) e que sempre gostei muito por retratar uma cena muito brasiliense. Guardarei ele agora com mais carinho devido `a esta reportagem tao singela.
Abracos,
Thais
Ola Sr. Amaury Menezes, tenho uma Obra sua, mas perdi o cartão onde constava o nome e outros detalhes da Obra. Trata-se de uma tela de 30X40 com Céu Azul, Mar Azul mais escuro, uma pedra marrom e praia cinza, e possível me ajudar?
Muito Obrigado.
Gostaria de saber como ver algumas obras do artista. Se o ateliê e é aberto ao público. Já tenho obras do artista mas estou interessada em outra. Origada
Boa tarde Orion, tenho uma obra dele e está totalmente conservada, gostaria de saber mais?