(Seleção e tradução de Luís Araujo Pereira)
[1]
Lecture de huit litographies de Zao Wou-Ki
III
Un vol d’oiseaux fonce sur la vallée
D’une bourrasque du ciel
d’un gros orage lenticulaire
l’escadrille surgit
Il y a un énorme blanc
dessus
dessous
de côté
partout
le blanc de deuil
Des arbres affairés cherchent leurs branches arrachées
qui éclatent
des arbres affolés
des arbres comme des systèmes nerveux ensanglantés
mais pas des êtres humains dans ce drame
l’homme modeste n’est dit pas je suis malheureux
l’homme modeste n’est dit pas
nous souffrons
les nôtres meurent
le peuple est sans abri
il dit nos arbres souffrent
…
Leitura de oito litografias de Zao Wou-Ki
III
Um voo de pássaros escurece o vale
A esquadrilha emerge
de uma trovoada no céu
de uma grossa tempestade em forma de lentilhas
Há um branco enorme
em cima
embaixo
em toda parte
o branco de luto
Árvores agitadas procuram os seus ramos arrancados
eles estalam
árvores enlouquecidas
árvores como sistemas nervosos ensanguentados
mas nada de seres humanos nesse drama
o homem modesto não diz Eu sou infeliz
o homem modesto não diz
Nós sofremos
os companheiros morrem
o povo não tem abrigo
o homem modesto diz apenas Nossas árvores sofrem
[2]
Lieux sur une planète petite
De L.
Les semblables fleurissent
minime oiseau du temps
Nous continuons, inexprimés
cristaux, frissons
Le fabuleux en passant
l’extraordinaire, commun
mais la pénitence d’incertude demeure
Nouvelles rives croulantes
efforts lilliputiens
Il faut se hâter
L’Histoire va fermer
…
Lugares sobre um planeta
De L.
Os semelhantes florescem
mínimo pássaro do tempo
Nós continuamos, indizíveis
cristais, tremores
O fabuloso desfilando
o extraordinário, comum
mas a penitência da incerteza permanece
Novas margens desmoronadas
esforços liliputianos
É preciso apressar-se
A História vai fechar-se
[3]
De T.
Indigents à présent
mais le coeur est encore riche
“Viens”, dit aussi bien le plus pauvre
dès qu’apparaît un étranger
“viens dans ma maison
“comme tu viendrais dans un vaste domaine
et prends, et mange abondamment”
Ils ne se précautionnent pas
Contre l’homme venu d’ailleurs
Un Dieu, pensent-ils
Un Dieu a revêtu la forme d’un voyageur
C’est pour nous secourir
disent-ils avec simplicité
C’est pour nous éclairer
…
De T.
Indigentes de nossos dias
o coração porém é ainda rico
“Venhas”, fala tão bem o mais pobre
assim que surge um estrangeiro
“venhas à minha casa
como se fosses a um vasto reino
e pegues, e comas fartamente”
Eles não se acautelam
contra o homem vindo de outro lugar
Um Deus, pensam eles
Um Deus assumiu a forma de um viajante
É para nos ajudar
eles falam com simplicidade
É para nos esclarecer
[4]
D’U.
Troupes de babouins irrités,
autrefois peuple grave
aimant
vénérant la sagesse
l’oeil ouvert sur les compagnons célestes
attendant, préparant la cité “Éternité”
Maintenant…
depuis des siècles…
depuis peut-être quantité de siècles…
L’aube de l’oubli, qui la voit ?
Mais la pierre se souvient
la pierre ne se fatigue pas de porter le savoir
continuant seule la civilisation disparue
parlant toujours en signes inaltérés
durs, calmes, solaires
…
D’U.
Bandos de babuínos coléricos,
antigamente eram um povo solene
amando
venerando a sabedoria
o olho aberto sobre os camaradas celestes
aguardando, preparando a cidade “Eternidade”
Hoje…
após séculos…
após talvez quantidade de séculos…
A aurora do esquecimento, quem a enxerga?
A pedra no entanto lembra-se
a pedra não se cansa de carregar o saber
conduzindo sozinha a civilização desaparecida
falando sempre por signos inalterados
duros, calmos, solares
[5]
De J.
Dans ce pays
la terre souvent tremble
émettant les bruits terribles
provenant des déités dérangées
D’habitants
il en meurt beaucoup
soit de saisissement
soit qu’ils se jettent d’eux-mêmes
sous les toits qui s’effondrent
ou dans la lave des cratères des volcans bouillonnants
Ensuite, le vent apporte un feu qui fait mourir
La population a les nerfs brisés
On ne peut attendre d’elle sagesse ou mesure
elle a ce qui va avec délire, exaspération, héroïsme
ou contrainte pourvu qu’elle aussi soit monstrueuse
…
De J.
Nesse país
a terra frequentemente treme
produzindo estrondos terríveis
oriundos de divindades perturbadas
Os habitantes
morrem bastante
seja por causa dos abalos
seja porque eles se jogam, a si próprios
debaixo dos telhados que desmoronam
ou na lava das crateras de vulcões borbulhantes
Em seguida, o vento traz um fogo que faz tudo morrer
A população tem os nervos abalados
Não se pode esperar dela prudência ou moderação
ela tem aquilo que combina com delírio, irritação, heroísmo
ou constrangimento, visto que ela é também monstruosa
Perfil
Henri Michaux nasceu em 24 de maio de 1899, em Naumur (Bélgica), e morreu em Paris no dia 18 de outubro de 1984. Em 1955, adotou a nacionalidade francesa. Além de ser um nome relevante na poesia francófona e europeia, destacou-se também na pintura e nas artes gráficas. Trocou o curso de Medicina, quando vivia ainda na Bélgica, por aventuras em terras distantes, à procura de outras realidades. Em decorrência dessa guinada, conheceu as duas Américas, a do Sul e a do Norte, e esteve depois na Ásia e na África. Perambulou por Buenos Aires e pelo Rio de Janeiro. Foi colaborador da Sur, uma revista argentina de combate e cultura. A sua iniciação na Literatura ocorreu com a descoberta de Lautréamont, quando tinha 23 anos. Emblemático, hermético, de difícil apreensão, Henri Michaux provoca atenção em virtude das dificuldades assinaladas há pouco: um oceano separa a sua poesia do leitor. Segundo André Velter, em prefácio ao livro À Distance (Gallimard, 2014), Henri Michaux é singular porque é radicalmente sozinho, abandonado, afastado, excluído. Procurando dizer de outro modo, a sua poesia é uma viagem interior, uma procura de si mesmo, uma indagação constante aos signos errantes. Aliada geneticamente à sua poesia, o seu interesse pela pintura aproximou-o dos surrealistas, como os artistas Paul Klee e De Chirico. A procura de si mesmo não tinha ponto final e empurrou-o em direção a experiências mais radicais e voluntariosas. Como numa encruzilhada, disse que a sua convivência com os alucinógenos era motivada mais por interesses literários e espirituais do que por razões estéticas. Nesse caso, não importa o que viveu e escreveu, na sua longa vida dedicada a uma ideia de si mesmo e de sua arte. Se a sua poesia é difícil de ser assimilada não é somente por causa de traços surrealistas e de estranhezas, mas também por seus arremates irônicos e inconclusivos do verso. É preciso lembrar que Henri Michaux não foi indiferente aos movimentos de vanguarda do século XX. Com razão, procura leitores fiéis, os que não fogem dos seus versos. A sua obra poética é extensa, fora os livros devotados às viagens, às memórias e aos mundos imaginários. ERMIRA relaciona alguns títulos: Qui Je Fus (1927), La Nuit, Remue (1935), L’Espace du Dedans (1944), Épreuves, Exorcismes (1945), La Vie dans les Plis (1949), Mouvements (1952), Face aux Verrous (1954), Connaissance par les Gouffres (1961), Passages (1963), Les Grandes Épreuves de l’Esprit et les Innombrables Petites (1966), Façons d’Endormi, Façons D’Éveillé (1969), Moments, Traversées du Temps (1973), Déplacements, Dégagements (1985), entre outros. Os poemas desta coluna foram selecionados de À Distance (Gallimard, 1997).