Naquela manhã de sábado, quando o zoológico abriu os portões, as crianças desgarraram-se das mãos que as seguravam e correram em algazarra em direção às jaulas onde ficavam confinados os animais.
As das onças, dos tamanduás, dos tigres, dos ursos, dos gorilas, dos elefantes, das zebras, dos camelos, das aves, dos répteis − esses pobres bichos engaiolados, sem esperança de retornar um dia ao seu hábitat original.
Naquele parque, muitas crianças ainda não tinham preferência por nenhuma espécie: as grandes e as pequenas bestas − todas as encantavam e as assustavam, embora admirassem os dinossauros e os super-heróis.
“Naquele parque, muitas crianças ainda não tinham preferência por nenhuma espécie: as grandes e as pequenas bestas ̶ todas as encantavam e as assustavam, embora admirassem os dinossauros e os super-heróis.”
A curiosidade incitava-as a ver as diversas formas de vida com menos insegurança. As crianças deveriam ser as únicas às quais fossem recusados o sofrimento e o abandono. Por isso, estavam no zoo para ver, comparar e aprender.
Se não fossem os livros − os das belas ilustrações −, elas jamais saberiam identificar os animais que localizaram ali como os seus prediletos.
Antes de se espalharem pelo enorme parque à procura de outras atrações, encontraram por acaso o nobre animal.
Era um leão.
Ele estava impaciente em sua jaula, andando de um lado para o outro, como se meditasse sobre a sua má sorte.
De acordo com as histórias de E. Rice Burroughs, a efígie dourada − o temível Jad-bal-ja, o companheiro de Tarzan em suas aventuras pelas terras africanas −, um leão que às vezes aparece rampante nos brasões. Uma fera das savanas que ruge alto quando um avião sobrevoa o seu ambiente. Um leão, enfim, que os caçadores são capazes de aprisionar ou de abater sem nenhum remorso.
Um pobre leão.
“Uma fera das savanas que ruge alto quando um avião sobrevoa o seu ambiente. Um leão, enfim, que os caçadores são capazes de aprisionar ou de abater sem nenhum remorso.”
Era, portanto, o animal mais bonito que a natureza é capaz de conceber. E ele, esse pobre leão, estava ali, bem à frente, para deleite e observação do público. Desse modo, as crianças adoraram conhecê-lo e ficaram ainda mais maravilhadas quando perceberam que ele portava uma coroa deslumbrante, que se encaixava à perfeição em sua cabeça.
Um dos pais exclamou alto, a voz irritada, para todos o ouvirem, apontando o felino:
“Olha só, senhores, que coisa mais ridícula − um leão que pensa que é rei!” − e todos os adultos riram e debocharam do leão. Outro homem, para não perder a vez de fazer a sua piada, resmungou, sem esconder o ar de superioridade e a voz de sabichão:
“Que escárnio! Só falta encontrarmos o unicórnio na próxima jaula!” − e todos gargalharam mais uma vez, e uns visitantes riram mais alto do que outros, como se essa anedota fosse muito engraçada.
A despeito de seu confinamento durante tantos anos, por causa de sua elegância e altivez, algumas crianças acharam que o leão era um príncipe; outras, que era mesmo um rei − um rei longe de seu trono, diga-se.
“Todas as crianças, porém, admiraram-no com respeito e não zombaram dele em nenhum momento, nem quando ele coçou com preguiça a orelha e rugiu um pouquinho, uma espécie de lamento.”
Todas as crianças, porém, admiraram-no com respeito e não zombaram dele em nenhum momento, nem quando ele coçou com preguiça a orelha e rugiu um pouquinho, uma espécie de lamento.
E, nas várias quadras do zoológico, depararam-se com um papagaio que falava a língua dos uru-eu-wau-wau. Depois, na jaula seguinte, com uma onça, não se sabe vinda de qual cerrado, que lamentava a perda de sua memória e de seus instintos mais selvagens.
Muitas crianças, depois do enfado de verem tantos animais presos e tristes, suplicaram por outro lugar mais aprazível.
No meio delas, com outro interesse, havia um menino que ainda falava “tevelisão” e gostava de carregar o tempo todo um boneco do Batman. Como os seus colegas, ele também apreciava os animais. Por motivos que ele próprio desconhecia, examinava atentamente o leão e a sua coroa, procurando compreender o inusitado do que via.
“Por motivos que ele próprio desconhecia, examinava atentamente o leão e a sua coroa, procurando compreender o inusitado do que via”
Naquele zoológico, num sábado ensolarado, ele perguntou, enquanto nós dois estávamos ali diante das grades do felino, segurando pacotes de amendoim que havíamos comprado na entrada para os macacos:
“Por que o leão é o rei dos animais se o gorila é o que mais parece com a gente?”