Um dos mais conhecidos diálogos escritos por Platão, O Banquete propõe uma reflexão sobre o poder de Eros, o amor. Das diversas concepções sobre esse sentimento que vão surgindo ao longo do texto, a mais curiosa, mas também de uma tocante beleza poética, é apresentada ironicamente pelo comediógrafo Aristófanes, um velho adversário de Sócrates, o mestre de Platão (o filósofo tinha por hábito colocar pessoas reais como personagens de seus textos). O amor, na visão que Platão atribui a Aristófanes, é definido com uma busca pela totalidade.
Para ilustrar seu argumento, Aristófanes narra um mito. No início dos tempos, a humanidade era dividida em três gêneros: masculino, feminino e andrógino. O primeiro era formado por duas partes masculinas; o segundo, por duas femininas, e o terceiro, por uma feminina e outra masculina. Esses seres duplos eram dotados de uma força espantosa e ousaram se voltar contra os deuses.
Para castigá-los, Zeus infligiu-lhes uma punição exemplar: dividiu cada um deles ao meio, transformando-os em indivíduos fracos e impotentes. Desde então, o ser humano suspira por sua metade perdida – e o amor nada mais é do que esse desejo de completude.
Para além dessa ideia do amor como um anseio metafísico pela totalidade – o que, de resto, é sempre inatingível para nós, seres imperfeitos −, chama a atenção como Aristófanes expõe a questão, enfocando o amor nas suas múltiplas expressões, não só entre pessoas de sexo oposto, mas do mesmo sexo. Para quem é um pouco familiarizado com a cultura grega antiga, essa abordagem mais liberal do tema não causa espanto: o homossexualismo não era tabu entre os gregos.
Estes, conforme explica Michel Foucault na sua História da Sexualidade, não tinham por hábito classificar as pessoas segundo as preferências sexuais, mas consideravam que havia diversas maneiras de alcançar o prazer, as quais variavam de acordo com a conveniência dos indivíduos ou com determinado momento da existência.
Essa forma mais aberta de tratar a sexualidade aparece já na mitologia grega. Aquiles, o herói da Ilíada, em um momento da narrativa surge disputando os amores da bela escrava Briseida com o rei Agamemnon e, no final do poema de Homero, trava uma luta mortal com Heitor para vingar a morte de Pátroclo, seu companheiro e amante. Apolo, o deus patrono das artes, seduzia igualmente moças e rapazes.
Acima desta nossa hoje obsessiva preocupação em classificar as pessoas em homo, hetero, bissexuais, transsexuais, etc., o que certamente lhes pareceria um esforço algo obtuso, para os gregos antigos o que se fazia determinante, na conduta sexual, era o autocontrole: dignos de lástima e considerados “imorais” eram os que se tornavam escravos dos prazeres.
Não só na cama, mas em todos os aspectos da vida, segundo o ideal grego, o que importa é conservar a própria autonomia.