A formação artística de Nazareno Confaloni (Grotte di Castro, Itália, 1917 – Goiânia, 1977) ocorreu no momento em que no cenário internacional vigorava o imperativo retorno à ordem, orientado por princípios como: restituição da observação da realidade; recuperação dos gêneros tradicionais adaptados às necessidades de autonomia da obra de arte; reabilitação do gosto pela tradição, pelo ofício e pelos valores nacionais.
Em contato com joias do renascimento florentino e em meio ao modernismo italiano seu olhar foi formado. Figuraram como seus professores Felice Carena (1879-1966) e Bacci Maria Baccio (1888-1974). Também teve Primo Conti como artista influenciador e como amigo pessoal. Os três desempenharam importantes papéis no movimento modernista conhecido como Novecento (iniciado em 1922).
O contato de Confaloni com estes artistas aconteceu, sobretudo, durante o período de polimento da sua formação com estudos na Academia de Belas Artes, em Florença, e no Instituto Beato Angélico de Pintura, em Milão, entre 1940 e 1942. Na contramão das vanguardas radicais, o Novecento foi um movimento amplo e sem uma poética única: trabalhou a concepção clássica da arte como realidade utópica configurada segundo moldes do decorativismo e da monumentalidade da Renascença; prestou tributos ao vasto leque da tradição posterior ao Renascimento e recuperou os gêneros do retrato e da natureza-morta; aliou a tradição paisagística italiana do século XIX aos ensinamentos essenciais do pós-impressionismo de Paul Cézanne (1839-1906).
Ao seu modo, Confaloni absorveu informações dos três segmentos e as utilizou em períodos diferentes de sua produção. Seu enlaçamento com os preceitos do Novecento permaneceu durante seu percurso artístico no comprometimento com a esfera figurativa da arte, com a manipulação do reconhecível no âmbito da operação de transfiguração e idealização do real, com as tensões entre o aspecto mimético e a necessidade de autonomia da obra plástica, com o gosto pela manufatura, pelas técnicas e materiais tradicionais, com o apreço pelas técnicas murais e também pelos gêneros da pintura de cavalete. A partir destas implicações, Confaloni entabulou um diálogo entre a tradição italiana e o modernismo brasileiro.
A investigação do universo plástico de Confaloni revela que ele soube realizar um acordo entre as propostas do Novecento e as propostas que estavam em andamento no modernismo brasileiro, e que a partir desse acordo soube trabalhar um índice de problemas que elencava questões como: identificar e registrar aspectos da identidade nacional; encontrar e fixar elementos a partir dos quais a sociedade se reconhecia; estabelecer parâmetros de relações com a realidade do país naquele momento.
Mostra que a preocupação com a questão social fora incorporada em sua obra como procedimento que dava visibilidade aos pobres e excluídos, quase como uma expressão da piedade cristã – manifestação do sacerdote que foi. Revela que a herança de sua formação no Novecento o permitiu dialogar com aspectos da produção intimista dos santelenistas, que também estiveram sob a influência deste movimento. Mostra ainda que Confaloni soube compreender os caminhos da arte nacional, e que, a partir dessa compreensão, ele soube operar dentro dos quadros da arte brasileira, como um artista que investiu no desvendamento do País e que soube abrasileirar sua obra para tornar-se artista brasileiro.
A obra em desenho e pintura de Confaloni inaugurou a produção artística moderna em Goiás, e colaborou para que essa produção se desenvolvesse de acordo com os princípios norteadores do modernismo brasileiro, compromissado com a busca da identidade nacional. Entretanto, aqui, essa identidade configurara-se regional, constituída por elementos da paisagem do Cerrado e enformada pelas relações culturais, econômicas e sociais profundamente enraizadas na história goiana desde o século XVIII.
A contribuição artística de Confaloni foi capital à formulação da poética rurbana do modernismo plástico goiano, elaborada a partir do cruzamento entre elementos extraídos de contextos rurais e técnicas modernas de representação, cuja ordem é essencialmente erudita. A interpretação das peculiaridades culturais e o comprometimento com a problemática da identidade foram questões que o impulsionaram a penetrar no sertão, registrar lugares, tipos humanos e as fisionomias miscigenadas do povo goiano.
A obra e a atividade professoral de Nazareno Confaloni (um dos maiores responsáveis pela fundação da Escola Goiana de Belas Artes, em 1952) tiveram grande influência sobre o modernismo local e sobre a estruturação da linguagem das primeiras gerações de artistas formados na cidade. Foram suas heranças: o apego à tradição figurativa, que ele praticou tanto ao modo naturalista interpretando com mais fidelidade os modelos representados, quanto ao modo modernista operando com procedimentos de idealização, de estilização e de deformação das figuras; o enfoque dramático dos temas, com notas extraídas da gramática expressionista – que havia, também, influenciado bastante um segmento do modernismo brasileiro; o desenho como estrutura para a pintura executada com gesto expansivo e pincelada marcada; o ambiente cromático rebaixado e de melancolia sertaneja.
Muito interessante essa visão da obra do frei a partir de enquadramentos da história visual do Brasil e da Itália . Sobral tem bagagem para nos revelar um Confaloni que o Brasil ainda não viu e que Goiás ainda não sabe que tem.