Uma tirinha da Mafalda, do genial quadrinista argentino Quino, mostra a personagem carismática em uma fila perguntando se há vacina contra o ódio. Ela quer se imunizar. Em tempos de epidemias no Brasil – e quando o País não as teve, não é mesmo? –, os surtos de febre amarela, dengue, H1N1 convivem com um outro, muito maior e mais duradouro. É o ódio, que parece permear cada instante da vida pública e em muitos momentos também as relações particulares, que merece a maior de nossas preocupações. Eis um mal que mata não um indivíduo, mas o próprio futuro.
“O que começou como manifestações de civismo legítimo nas grandes marchas de 2013 e teve continuidade em uma investigação necessária, como é o caso da Lava Jato, a partir de 2014, por uma série de motivos transformou-se em um pote até aqui de mágoa.”
O que começou como manifestações de civismo legítimo nas grandes marchas de 2013 e teve continuidade em uma investigação necessária, como é o caso da Lava Jato, a partir de 2014, por uma série de motivos transformou-se em um pote até aqui de mágoa. Mas não só de mágoa. Também de uma irrefreável vontade de eliminar quem pensa diferente, de agredir sob o menor pretexto, de acertar contas com os desafetos. As redes sociais, com seu inédito poder de disseminar opiniões que carecem de qualquer tipo de filtro, deu dimensões assustadoras a esse fenômeno.
Neste sábado, dia 7 de abril, quando o ex-presidente Lula foi preso para cumprir pena por corrupção e lavagem de dinheiro, esse poço sem fundo de um ódio genuinamente violento foi aberto mais uma vez. As panelas que só bateram até agora contra os ex-presidentes Dilma e Lula, ficando mudas quanto aos outros acusados de crimes tão ou mais graves, voltaram a soar. Rojões foram soltos, gritos de fervor foram ouvidos. Seria interessante se tudo isso estivesse ligado a um sentimento de justiça. Não, infelizmente não é. Se o fosse, ele se apresentaria nos outros casos. Isso não acontece.
“Lula cometeu muitos erros e precisa, sim, ser punido exemplarmente por isso. Jogou muitas esperanças no lixo, não foi correto com a própria biografia que construiu. Mas muitos dos que agora comemoram odeiam-no mais por aquilo que ele representa do que por aquilo que ele tenha feito de reprovável.”
Tanto fervor é, na verdade, a saciedade de um sentimento de revanche. Lula cometeu muitos erros e precisa, sim, ser punido exemplarmente por isso. Jogou muitas esperanças no lixo, não foi correto com a própria biografia que construiu. Mas muitos dos que agora comemoram odeiam-no mais por aquilo que ele representa do que por aquilo que ele tenha feito de reprovável. É fácil ouvir que ele é um “analfabeto”, que “não teve berço”, que é um “ignorante, cachaceiro, vagabundo”. Alguns vão mais longe: é um “nordestino”, um “pau-de-arara”, um “paraíba” sem eira nem beira.
Tais adjetivos trazem embutidos os preconceitos de classe que sempre foram muito evidentes em um país que lidera os rankings de desigualdade social. Aqui temos “elevadores de serviço”, “quartos de empregada”, toda sorte de diferenciação e exclusão. Lula é um emblema de algo que não correu como se esperava. Chegou ao posto mais alto da nação, foi reconhecido mundialmente e é, apesar de todos os pesares, adorado por multidões. Isso é inaceitável para muitas pessoas que, mesmo pedindo ética na política, incorrem em erros semelhantes no cotidiano.
“Nesse Fla-Flu insano em que nos metemos, há pessoas que comemoram assassinatos e execuções; há pessoas que dão chicotadas nos seus oponentes; há pessoas que vomitam expressões e gestos racistas, discriminações de credo, homofobias e se vangloriam disso.”
O Brasil, hoje, guia-se pelo ódio e Lula é apenas o caso mais vistoso. Há muitos, muitos outros. Aliás, muitos dos seguidores do ex-presidente também estão contagiados, agredindo pessoas durante manifestações, hostilizando jornalistas que estão apenas trabalhando. Mas, nesse Fla-Flu insano em que nos metemos, há pessoas que comemoram assassinatos e execuções; há pessoas que dão chicotadas nos seus oponentes; há pessoas que vomitam expressões e gestos racistas, discriminações de credo, homofobias e se vangloriam disso.
Talvez por isso o candidato que melhor representa esses sentimentos todos reunidos esteja tão bem nas pesquisas. Não duvido que ele ganhe, com seu discurso bélico, que prega a justiça com as próprias mãos, que propõe armar as pessoas para, aí sim, piorarmos nossos índices descomunais de violência. Afinal, seu discurso traduz o pensamento de muita gente. Pessoas contra as quais temos que nos vacinar para não termos as mesmas atitudes de hidrofobia. Não é vantagem para ninguém odiar outra pessoa. Isso é apenas triste. Tragicamente triste.