Em 1968, o movimento estudantil era dominado pela União Nacional dos Estudantes Franceses (Unef), sob direção comunista, que organizou uma mobilização nacional contra a Reforma Fouchet na educação, e sua seleção para ingresso nas universidades segundo evidentes critérios de classe [de acordo com o então ministro da Educação, Christian Fouchet, « havia estudantes demais na universidade », e o seu plano previa exames de seleção, hierarquização dos estudantes e desqualificação de diplomas de várias faculdades]. Em consequência, ocorreu a manifestação de 14 de março, com a participação de 5 mil estudantes que tomaram as ruas de Paris aos gritos de « Abaixo a eliminação!».
Logo em seguida, eclodiu uma greve nos cursos da Faculdade de Ciências de Paris, nos dias 27, 28 e 29 de março, e também uma manifestação, no dia 28, de estudantes e professores, da Halle a Sorbonne, aos gritos de « Des amphis, pas des canons» [numa tradução livre, « mais salas de aula, menos armas »]. Na Faculdade de Nanterre, o diretor Grappin suspendeu os cursos a partir do dia 28 de março, para conter uma agitação que o L’Humanité, jornal do Partido Comunista, em sua edição do dia 29, descreveu como formada por guevaristas, maoístas, trotskistas e anarquistas.
Nesse momento, ninguém ainda tinha ouvido falar do «Movimento de 22 de Março » (ou seja, como se diria mais tarde, o movimento «dos anarquistas »). Seria necessário esperar a edição do Le Monde de 4 de maio, que definiu pela primeira vez o «Movimento de 22 de Março » como «diferentes grupos de estudantes de extrema-esquerda, à exceção dos comunistas ». Tratava-se de uma fabulação, que pretendia contestar a representatividade da Unef comunista. Mas que permitiu alçar como uma celebridade nacional uma figura oportunista que estava à frente desse « Movimento de 22 de Março »: Cohn-Bendit.
No dia 3 de maio, forças especiais da polícia cercaram a Sorbonne. Uma manifestação estudantil protestou contra o fechamento da Faculdade de Nanterre (28 de março) e as sanções contra seis estudantes. As forças da ordem intervieram durante seis horas, com o seguinte saldo: centenas de feridos, 596 prisões. Essa repressão provocou um chamado à greve e manifestações na maioria das faculdades. O poder manteve a repressão às manifestações do dia 9 e, sobretudo, à do dia 10 de maio em Paris. No mesmo dia, por iniciativa da Confederação Geral do Trabalho (CGT), um encontro foi realizado, reunindo a Federação da Educação Nacional (FEN), a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) e a Unef, as quais decidiram por uma greve geral programada para o dia 13 de maio. Nessa mesma data, a Força Operária (CGT-FO) conclamou, por sua vez, à greve também para o dia 13 de maio. No jornal L’Humanité, a manchete era a seguinte: « Sindicatos CGT, CFDT, FO, FEN e UNEF convocam para hoje greve geral de 24 horas ».
Todas as confederações sindicais se uniram, ao lado do principal sindicato estudantil. Em regime de urgência, o primeiro-ministro Georges Pompidou anunciou, no dia 11 de maio, que os estudantes presos seriam soltos no dia 14 e que a Sorbonne seria reaberta. O governo temia a aliança dos estudantes e da juventude com o movimento operário. De fato, neste 13 de maio, havia em Paris um milhão de manifestantes, que iam da Praça da República até a Praça Denfert-Rocherau.
Todavia, um outro Maio de 1968 já estava em curso. Na Sud Aviation, empresa aeronáutica nacional, os trabalhadores do sindicato Força Operária decidiram, no dia 9 de maio, pela greve permanente. A mobilização alcançou a Usina de Nantes, onde a situação era «tensa», com efeito, desde o fim do mês de abril, segundo o Le Monde do dia 3 de maio. Um panfleto do dia 9 de maio convocou a greve geral, com a ocupação das fábricas e formação de um comitê de greve. O Departamento Operário do sindicato Força Operária da Sud Aviation encabeçou a iniciativa do movimento, no qual Yvon Rocton teve um papel de destaque. Em seguida, uma comissão intersindical (com CGT e CFDT) foi instalada. No dia 13, o jornal FO Hebdo, da Força Operária, trouxe um encarte no qual se lia : « Sud-Aviation Nantes : Uma batalha começa em Nantes ». No dia 14, na região da periferia de Nantes, 2,8 mil trabalhadores entraram em greve.
Já no dia 15, a palavra de ordem clamando pela greve permanente, mais um comitê de greve, invadiu a Renault, empresa automobilística nacional, sediada em Cléon (na região do Sena Marítimo), ocorrendo o mesmo, no dia 16, na Renault Flins, em Billancourt e, do mesmo modo, em dezenas de empresas metalúrgicas. No dia 17, a greve eclodiu em outras empresas, como Dassault, Berliet, Alsthom, SNECMA. No mesmo dia, a palavra de ordem de greve com ocupação ganhou a SNFC (o sindicato nacional dos ferroviários) e a RATP (dos metroviários). O transporte aéreo foi praticamente interrompido. A Ópera de Paris, a Ópera Cômica, o Teatro Nacional Popular (TNP) e o Odéon foram ocupados.
Com base nos acontecimentos narrados, podem-se apontar três componentes do Maio de 1968 : os estudantes (apoiados pelos alunos secundaristas) contestando o Plano Fouchet para a educação, as organizações sindicais mobilizadas para uma greve geral no dia 13 de maio contra as decisões governamentais que ameaçavam a Seguridade Social, e os trabalhadores em greve ocupando as empresas. A reunião dessas três forças constituiu o movimento de Maio de 1968.
Em 20 de maio, 10 milhões de assalariados estavam em greve. O poder recuou, e Pompidou convocou uma reunião nacional paritária. Em sequência, as reuniões dos dias 25, 26 e 27 de maio, sob a presidência do primeiro-ministro, com a CGT-FO, a CGT, a CFDT, a CFTC, a CGC, a FEN, a Confederação Nacional das Pequenas e Médias Empresas e o Conselho Nacional do Patronato Francês (principal sindicato patronal), culminaram na assinatura de uma ata dos chamados « acordos » de Grenelle. Entre as reivindicações atendidas pelos « acordos », no dia 27 de maio, estão: aumento de 35% do salário-mínimo e 10% em média sobre os salários reais; redução da jornada de trabalho (40 horas por semana). E igualmente abono de férias, garantia mensal de recursos, pagamento mensal dos operários, antecipação da idade para efeito de aposentadoria (acordos de pré-aposentadoria aos 60 anos) como garantia mínima e revisão das convenções coletivas, com atualização e supressão de discriminações relacionadas à idade e ao sexo, aumento de subsídios familiares e apoio à velhice. A criação do departamento sindical dentro das empresas seria determinada por lei em 27 de dezembro de 1968.
Se o poder recuou, foi por causa de um movimento uniforme que conduziu à vitória do « não » ao referendo que De Gaulle instituiu, em 1969, para tentar fortalecer um poder abalado pelo movimento de Maio de 1968. Naquele momento, uma intensa propaganda midiática fez tudo para levar à crença de que Maio de 1968 foi um movimento de jovens, com estudantes reivindicando mais liberdade, inclusive a sexual. Mas se fosse apenas isso, o poder não se veria obrigado a ceder em uma negociação nacional. Efetivamente, Maio de 1968 foi um encontro e uma união, na mesma luta, da juventude organizada e de trabalhadores igualmente organizados.
Tudo isso é Maio de 1968, e um operário como Rocton (assim como milhares de outros) teve um papel totalmente subestimado, tanto na época como hoje. O que anula todas as versões que desejariam apenas ver em Maio de 1969 a revolta de uma geração de jovens contra os seus pais. Isso não é plausível. O autor destas linhas, que em 1968 tinha 16 anos, pôde testemunhar o que se passou para rejeitar o que não é mais do que uma grosseira manipulação de um poder em decomposição. Participei no liceu de um movimento grevista que durou até o dia 20 de junho. O temor do poder era palpável no que diz respeito à relação de forças criada pela união dos estudantes, dos operários e dos empregados. Sob todos os aspectos, 1968 representou uma união formidável, com a liberdade trazida e intensamente vivida pelo movimento de ocupação dos espaços de ensino e trabalho. Maio de 1968 representou também um poder acossado e, em certos momentos, uma ausência de poder. Todos aqueles que participaram do Maio 1968 têm hoje uma inesquecível lembrança.
Um outro Maio é sempre possível, na França e em outros lugares. É necessário, novamente, o reencontro da juventude com o mundo do trabalho, todos unidos na luta pela emancipação humana, impulsionados pelo sopro igualitário da liberdade sempre a ser conquistada.
(Tradução de Luís Araujo Pereira e Rosângela Chaves)