(Curadoria de Luís Araujo Pereira)
[1]
Poesia pequena
Para falar a verdade
gostaria de uma poesia
como se madeira.
E que deixasse saudade
como as viagens nos caminhos da infância.
E também fosse igual aos chapéus
dos velhos palhaços.
Os cabelos da mulher amada.
E que a minha poesia fosse forte, valente,
como um caminhão carregado de madeira ou saco de sal,
como os sentimentos que o meu coração guarda,
e pudesse derreter, como o fogo, o ferro,
a espada dos tiranos.
Poesia pequena como uma estrela
e grande e forte como um cavalo.
E grande e forte como uma locomotiva.
E grande e forte como uma rosa vermelha.
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[2]
A manhã está sendo feita
Há uma paixão no silêncio da terra.
Querem cegar a vida,
matar a esperança.
Mas é inútil.
Agora os homens estão silenciosos.
Por isso a terra é silenciosa.
Mas é no silêncio que os homens pensam.
Tudo que está paralisado
será posto novamente em movimento,
porque em verdade não parou.
É quando se pensa que mais se avança.
E com a mesma pontualidade com que o sol
faz a manhã,
uma outra manhã é feita nas mãos do homem.
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[3]
Pequena coisa imóvel
Há um ar de vida em flor
na pequena coisa imóvel
que se chama ovo. É manhã?
Montanha? Nuvem? Porco?
Oh Senhora dos Mares e Oceanos
um ovo nunca foi propriamente
algo que tivesse parentesco
consigo mesmo, lembra morada,
lago de água vermelha, sol.
Um ovo é igual à música
que se descobre no dia
ensolarado.
É começo da morte
de qualquer coisa
que vai nascer.
E será vida de qualquer luz
que o trabalho da morte
vai merejar aurora
até vencer.
É suave e sem tristeza
e sua arquitetura lembra
os sóis das origens do mundo
e recorda a pureza da terra.
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[4]
Longe, muito longe
Os ciganos não vieram no estio,
as suas lembranças estavam gravadas nas mentes
dos negros que ceifavam as pragas
naqueles meses de maio e junho.
O frio das madrugadas fustigava os velhos
ladrões e os novos, cínicos, procuravam
os sítios emprestados de transeuntes distraídos.
As mulheres dos negros e os seus rebentos
seguiam aos campos para ajudar seus maridos
e ainda para acalentarem-se do tempo
que endurecia seus nervos e as cegava.
Podia-se ver longe, muito longe,
nas montanhas, lá onde os últimos raios do sol
incendiavam-lhes o corpo de uma ternura
terrestre invencível.
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[5]
Espécie de balada da moça de Goiatuba
Em Goiatuba
tem uma moça
que coração
grande ela tem
Em Goiatuba
tem uma moça
que coração
grande ela tem.
A moça de lá
é só chamar vem
De Goiatuba
eu guardo
muitas recordações
De lá eu guardo
muitas recordações
Lá tem rua
que parece bicho
querendo se esconder
por detrás do mato
Lá tem homem
que lutou na revolução
Lá tem farmacêutico
que sabe latim
Lá tem padre que mora
com mulher na rua de cima
e de tarde sobe de lanterna na mão
Lá tem cadeia
assombrada
e tem louco nas grades rindo feito
bicho com fome
Em Goiatuba
tem uma moça
que coração
bom ela tem
A moça de lá
desde menina
serve aos homens
com sabedoria
Toda moça no mundo
aprende que o corpo
não se pode mostrar
vestido deve vestir
vergonha deve sentir
amor deve esconder
sonho pode sonhar
A moça de lá
não aprendeu a sonhar
A moça de Goiatuba
é como a fonte
que dá de beber
é como a árvore
que dá os frutos
é como a noite
que dá as estrelas
Ela só não compreende por que os homens
têm tanta coisa com ela
Um dia indagou:
̶ “Por que ôceis me mandam
deitar no chão?”
̶ “Eu visto meu vestido,
eu ponho colar bonito,
eu enfeito os meus cabelos
com flor
Eu estou bonita
com o meu vestido
eu estou bonita
com esta flor
vocês me mandam tirar vestido,
vocês são bobos?”
Lá em Goiatuba
tem uma moça
que coração
grande ela tem.
A moça de lá
é só chamar vem.
Perfil
José Godoy Garcia nasceu em Jataí (GO) no dia 3 de junho de 1918 e faleceu em Brasília (DF) no dia 20 de junho de 2001. Em Goiânia, concluiu em 1948 o curso de Direito. Transferiu-se para Brasília no ano de 1957, onde desenvolve as suas principais atividades, profissionais e intelectuais. Durante 12 anos, esteve filiado ao Partido Comunista. Publicou os seguintes livros de poemas: Rio do Sono (1948, Prêmio da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos), Araguaia Mansidão (1972), A Casa do Viramundo (1980), Aqui É a Terra (1980), Entre Hinos e Bandeiras (1985), Os Morcegos (1987), Os Dinossauros dos Sete Mares (1988), O Flautista e o Mundo Sol Verde e Vermelho (1994), A Última Nova Estrela (1999) e Poesia (1999). Publicou ainda o romance Caminho de Trombas (1966), o livro de contos Florismundo Periquito (1990) e Aprendiz de Feiticeiro (1997), livro de crítica literária. Em prefácio à coletânea Poesia, edição comemorativa de 50 anos de poesia do autor, Salomão Sousa, poeta goiano radicado em Brasília, chama a atenção para aspectos sociais, culturais e políticos de sua produção, destacando a importância de sua obra para a literatura brasileira. Diz ele que “A sua lição de poesia é a de inventar o mundo que já existe”.
Maravilhosa homenagem, ele, de onde estiver comemora junto; sempre amou destruir suas poesias. Obrigada, muito obrigado
meu tio querido,
o tio da boina empoeirada
da mente arejada
do olhar orofundo
e de uma tal gargalhada
que mais parecia
um gole de água gelada
num dia de sequidão.
Saudades
de seu amor pela natureza,
de sua honestidade.
Lá estava,
Meu tio de boina empoeirada…
no quintal com a meninada….
fazendo nascer pra sempre,
as memórias de minha infância
que os anos não apagaram,
nem apagarão.
Tio Ze,
obrigada…
Conheci José Godoy Garcia através do poema “Namorada Morta”. “Hoje, Rosa, depois do seu enterro choveu…” Inicia- se assim o poema. Quando perdi minha mãezinha, que se chamava Rosa, me apeguei a esse poema como se fosse uma oração. Amei conhecer esse grande poeta goiano