Desde o curta Um Ramo, passando pelos longas-metragens Trabalhar Cansa, Quando Eu Era Vivo, Sinfonia da Metrópole e O Silêncio do Céu, os cineastas paulistas Juliana Rojas e Marco Dutra têm sido sinônimo de experimentação de linguagem, em especial com o fantástico, o suspense e o terror. Agora, com o filme As Boas Maneiras, os diretores surpreendem mais uma vez pela originalidade ao se valer desses gêneros para elaborar uma fábula visual envolvente, ao mesmo tempo irreverente e estranhamente encantadora. A produção está em cartaz a partir desta quinta-feira, dia 9 de agosto, nos Cinemas Lumière, em Goiânia.
Na trama, Clara (Isabél Zuaa) consegue uma vaga de babá na capital paulista. A patroa rica, Ana (Marjorie Estiano), passa por uma gravidez difícil e solitária – é discriminada pela família e pelos amigos por ter traído o noivo , deixando para trás as chamadas boas maneiras cobradas de uma moça da elite. Isoladas num apartamento de luxo na cidade cosmopolita, as diferenças de classe e cor se dissolvem em meio à solidão e à dor, até desaparecerem em um romance.
Dos filmes de monstro da Universal ao pop de M. Night Shyamalan e com declaradas reverências ao mestre George Romero, os cineastas se arriscam o tempo todo num jogo sofisticado. Nem sempre as limitações de orçamento são superadas a contento, mas, em geral, Rojas e Dutra convertem dificuldades em cenas criativas.
A direção de arte, do monstro-criança atacando no shopping ao jardim modesto da babá que registra a passagem do tempo na narrativa, reflete os desafios da produção. Os saldos são mais positivos que o contrário, como os arranha-céus da metrópole que surgem em tons fantásticos. Até os quadrinhos de Eduardo Schaal ajudam na narrativa – é o seu traço que resume partes do enredo, em especial a origem do bebê que está por vir, gerado na cidade de Goiás.
A personagem Clara é goiana, filha de fazendeiro e, sim, gosta de sertanejo. Estereótipos e arquétipos também integram o desenvolvimento do roteiro que, além da madame caipira, ainda se vale do folclore brasileiro – a aberração surge de uma noite entre uma mulher comprometida e um padre.
As Boas Maneiras não poderia ser saudado pelo mercado como um exemplo de que o de terror brasileiro tem grandes chances de se tornar popular e fazer dinheiro, como sugere o boom atual de produções nacionais de terror. Até porque , embora o cinema de gênero seja a paixão da dupla, é notório que eles não querem repetir fórmulas em nome de uma bilheteria.
É bom lembrar que Juliana Rojas e Marco Dutra, que cursaram cinema juntos em Campinas, não assinam todos os trabalhos juntos, apesar de ser comum, quando não dividem a direção, que um dirija e outro seja roteirista ou o contrário.
A dupla de cineastas se atreve a várias aventuras, de forma consciente, e por vezes o resultado deixa a desejar, prejudicando o ritmo da trama. No caso de As Boas Maneiras, a primeira parte do filme acaba sendo muito longa, o que compromete um pouco o seu ritmo. Nem todas as cenas de musical têm o efeito dramático esperado, mas, em algumas, como na vigília pelo retorno do filho, somos brindados com momentos de uma delicadeza rara.
Embora não seja uma unanimidade entre a crítica, cada novo projeto da dupla tem sido recebido com ainda mais expectativa que o anterior, e não sem razão. Experimentar, com o prazer artesanal que se materializa na tela, a infinidade de possibilidades entre arte e indústria e dos gêneros entre si − e principalmente os próprios limites − é o que o move Marco Dutra e Juliana Rojas.
Serviço
As Boas Maneiras: Brasil, 2017
Direção: Juliana Rojas, Marco Dutra
Elenco: Isabél Zuaa, Marjorie Estiano, Miguel Lobo, Cida Moreira
Cine: Lumière Bougainville 5
Confira abaixo o trailer do filme: