No horizonte não havia nada mais que fumaça e desolação. Nenhum sopro de vida retirava a monotonia daquele lugar triste, sem presente, sem futuro, ambos condenados por erros terríveis do passado. Algum tempo antes, o povo do lugar optara por um caminho sem volta, cometendo um equívoco que jamais conseguiria reverter. Optaram pela violência como modelo de vida e eles transformaram suas casas, suas raízes em uma terra inabitada, em que nada mais floresceu ou vicejou a não ser o ódio, a desconfiança, o desrespeito e a intransigência.
Tudo começou como uma festa. Uma festa que dizia ser democrática, mas que selou o destino desse povo para sempre. Cansados dos problemas que tinham, das decepções que sofreram por quem lhes prometia tudo e nada entregava, aquelas pessoas decidiram radicalizar. Seduzidas pelo aceno de que algo novo estava no ar, que um salvador da pátria chegara, que um mito, enfim, surgira, elas novamente se enganaram. Mas daquela vez foi pior. O engano virou engodo, o engodo transformou-se em desespero e o desespero desaguou no autoritarismo, na truculência, na força bruta.
Primeiro, todos ganharam armas para se protegerem, mas o efeito foi o contrário. As ameaças, já tão presentes, se disseminaram. Milícias de justiceiros saíram às ruas para impor uma ordem que só eles podiam definir qual seria. E foram autorizados a matar, a eliminar supostos inimigos, a punir com as próprias mãos crimes concretos e também imaginários. E as vítimas foram as mesmas pessoas de sempre, gente pobre e sem proteção, mas também outros grupos que se sentiam imunes e que até haviam defendido a ascensão do novo regime.
Com armas, as mortes aumentaram, a desconfiança se alastrou, a solidariedade e a empatia sumiram. O que havia de mais selvagem e covarde em cada um aflorou. Ataques se sucederam, divergências foram resolvidas à bala, as ideias feneceram, o debate foi extinto. E aquela terra, que um dia havia sido chamada de País do Futuro, retrocedeu à barbárie. Completando a tragédia anunciada, negros e gays tornaram-se subcidadãos, perseguidos, humilhados, estereotipados, muitas vezes eliminados, sem poderem contar com qualquer direito, com qualquer proteção.
As mulheres, já violentadas, também sentiram que tudo piorara. As desigualdades salariais só se agravaram, o machismo que sofriam se intensificou, o feminismo que defendiam foi criminalizado. Era uma terra que não conhecia o respeito, que não acolhia o diferente, que substituía o trabalho pela servidão. E não existia perspectiva de melhora. Não era mais possível protestar, lutar e quem ousava fazer isso corria o risco de ser extirpado com virulência de seu ambiente, de perder suas parcas conquistas, de viver em pânico pelo resto de seus dias.
Todos os projetos ruíram, todas as esperanças derreteram. Nada sobrou. Era terra arrasada. Tudo findou sem deixar frutos. No lugar havia apenas o medo, a ausência de humanidade. E aquele salvador da pátria mostrou ser um mito com pés de barro, aumentando o vigor de seu ódio, disseminando ainda mais infelicidade para manter-se no poder. Viver ali ficou impossível. O ar era irrespirável, as conversas, insuportáveis; as relações pessoais, envenenadas. E tudo realizado em nome de um poder divino apregoado por falsos homens e mulheres de Deus.
E pensar que tudo aquilo poderia ter sido evitado com um pouquinho mais de racionalidade. E pensar que tudo aquilo aconteceu pela ignorância cultivada, pelas falsidades disseminadas, pelo ódio que turvou as vistas daquele povo. E pensar que poderia ter sido diferente. Agora, é tarde. Só resta lamentar e lembrar que avisos não faltaram e foram todos ignorados. Como é duro admitir isso. Como é duro reconhecer que foi aquela mesma gente que permitiu que o horror vencesse, que a desunião se instalasse, que sua terra se perdesse. Agora, é tarde. Acabou.