[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
1.1 [ferreiro] ̶ forja
1. assim se pesa a mão que bate
(ou se bastasse)
na soldagem, a serventia.
malha a corja
e forja
o malho amolda
e solda.
2. assim se mede a mão que firma
(ou se formasse)
na linguagem, a ideologia.
atina a tenaz
e tine.
a forja freme
e inflama.
3. assim retesa a mão que funde
(ou se findasse)
na ferragem, a vilania.
vinga a viga
e verga.
o ferro finca
e fere
•••
[2]
presente
um cavalo voando em nuvem plena
uma rosa azul tão sem cultivo
uma estrela recolhida dos telhados
um rio rompendo seu sentido
uma chuva caindo em contradança
um perfume de coisa sem memória
um vento peregrino sem destino
meu coração exposto em tua mão
tudo isto em vão
•••
[3]
sombras chinesas
na mancha da tinta
as letras deixam
um rastro indistinto
nas dobras do papel
as sobras
se iluminam
insone
a saudade
vela
•••
[4]
reprise
as formas com que Eros
me engana
a máscara múltipla
ali circunscrita
me reclama
aquelas normas
eu as incendeio
e ainda assim
só resta
o que odeio
mas só fica esta aura
ali sentida
suspensa
entre a maneira
que vejo
e invejo
o riso que fica
entre o marcado
e o inacabado
•••
[5]
indícios
a substância do vento
a só passagem
da aragem.
o brilho breve da água
o movimento da vaga
selvagem.
o nome solto na terra
a leve folha que pousa
nesta lousa
secular.
a ambivalência da sombra
a espera impaciente
de sua tocaia
inclemente.
Perfil
Carlos Fernando Filgueiras de Magalhães nasceu em Paratinga (BA) em 17 de outubro de 1940 e foi assassinado em Goiânia no dia 3 de novembro de 2009. Formado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especializou-se em cirurgia geral e terapia intensiva. Foi poeta, ficcionista, dramaturgo, desenhista, ator, crítico de literatura, artes plásticas e cinema. Dedicou-se também à pesquisa histórica. No que se refere a suas pesquisas a respeito da história das artes em Goiás, deixou cinco volumes inéditos sobre artes regionais nos séculos XVIII, XIX e XX. Foi fundador dos grupos Teatro Varanda e Teatro Experimental, este último vinculado à UFG. De 1985 a 1998, esteve à frente da Coordenação Cultural da UFG. Foi um dos instauradores da Poesia Praxis em Goiás, membro do Conselho Estadual de Cultura e ocupou a cadeira n° 48 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Recebeu o Troféu Tiokô, pelo livro de teatro Jogo dos Reis, concedido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás, o Troféu Jaburu, homenagem do Conselho Estadual de Cultura, e, em 2000, foi agraciado com o Prêmio Jorge de Lima, da Academia Carioca de Letras, pelo livro de poemas X. Recebeu ainda distinções de entidades da área médica por sua atuação como pesquisador. No campo da historiografia, publicou História da Irmandade do Santíssimo Sacramento, da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, do Arraial de Meia Ponte, da Capitania de Goiás, entre os anos de 1757 e 1774 (1992) e O Cometa [Comédia em um Ato], de Joaquim Sebastião de Bastos (2007). Deixou inacabada uma biografia do Mestre Guarany, um dos maiores escultores de carrancas do Rio São Francisco. Escreveu ainda os seguintes livros, entre prosa, teatro e poesia: Matéria-Prima (poemas, 1968), Via Viagem (romance, 1970), Daniel (contos, 1976), O Jogo dos Reis (teatro, 1974), Lampião (texto de ópera popular, 1984), Eros (poemas, 1986), Quarks (poemas, 1994), X (poemas, 2000). Em prefácio ao livro Quarks, Darcy França Denófrio considera que Carlos Fernando “alcança ‘o máximo do mínimo’” em sua tessitura lírica. Em seguida, afirma: “E ele tem consciência disto, revelada no próprio título metafórico-metalinguístico da obra: sabe que chegou à menor partícula de expressão poética. Este ‘máximo do mínimo’ se reveste aqui daquele sentido ambíguo da poesia: significa que não é possível uma contenção lírica menor do que um quark poético. Mas Carlos Fernando atinge ‘o máximo do mínimo’ (ou o máximo no mínimo) também porque, com esse mínimo, atinge o máximo de revelação: um fulgor instantâneo semelhante àquele de uma estrela cadente que risca o céu”.
Meuamigo pessoal, foi também militante ativo na política estudantil. Uma das mais brilhantes inteligências que conheci.
Boa lembrança trazer a publicação destes poemas do Saudoso amigo Carlos Fernando grande figura incansável defensor da cultura. Tive de beber da fonte do seus ensinamentos que balizaram a minha trajetória de vida. Aqui em Paratinga sua terra natal está praticamente esquecido .uma pena que este que fez tanto para a nossa história seja relegado ao esquecimento.
Café, como era chamado pelos amigos e Tio Nando, chamado por nós, seus sobrinhos, foi também, um pessoa iluminada e muito querida. Sua postura e trajetória nos orgulha e sempre será lembrada no casarão e nas ruas de Paraitinga. Obrigado, Tio Nando, pela alegria da sua companhia.
Adorei o repertório poético,e gostaria de vasculhar mais seus livros.