Fujam para as montanhas! Foi isso o que alguém, já em pleno desespero, gritou ao ver que algo muito ruim estava acontecendo. Uma invasão, uma inundação, uma guerra iniciada, a sogra que chegou sem avisar para passar o feriado… Sei lá, algo assim muito grave que fez com que a fuga rápida, para um lugar de difícil acesso, fosse a única solução possível. No Brasil de hoje, em que o ódio impera, em que a intolerância corre solta, em que a ignorância é louvada e a desinformação elege mitos, talvez seja a hora de quicar a mula para a colina mais próxima. #PartiuMontanha
Mas onde está essa montanha salvadora, que vai resguardar, ainda que apenas parcialmente, nossa paz de espírito, nossa vontade de viver, nossa perseverança para encarar os desafios à frente? Para encontrá-la, talvez precisemos passar por um novo parto, uma reviravolta em nossa rotina ou o duro exercício do desapego. Calma, não estamos propondo nada radical, como outros já andaram sugerindo por aí. Nada de exílio, nada de “ponta da praia”. Pensamos em algo menos radical. A montanha pode estar nas atitudes simples, nos hábitos saudáveis que andamos esquecendo.
“No Brasil de hoje, em que o ódio impera, em que a intolerância corre solta, em que a ignorância é louvada e a desinformação elege mitos, talvez seja a hora de quicar a mula para a colina mais próxima.”
Fuja para a montanha de suas leituras preferidas, de seus autores do coração, daqueles livros que há tempos estão ali, aguardando sua disposição para tirá-los de cima da mesa, da cômoda e abri-los. Não precisa ser a Montanha Mágica, de Thomas Mann, ou o Morro dos Ventos Uivantes, de Emile Brönte, mas algo que lhe desperte o interesse, a curiosidade, que capte sua atenção para mundos que, mesmo que imaginários, têm a capacidade de nos ensinar muito sobre esta dura realidade em que estamos, guiando-nos por trilhas menos pedregosas e sofridas.
Fuja para a montanha de suas canções do coração, aquelas que lhe trazem caras recordações, que dizem algo especial para sua trajetória. Chore com a música triste, dance com a animada, cante desafinadamente junto com seu ídolo. Nessa montanha, abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia mesmo. Não se importe com o vizinho, não ligue se vão achar seu gosto ultrapassado ou brega, não dê a mínima para a opinião alheia. Já que o mundo é feito de bolhas, crie a sua para nela poder exercer uma liberdade redentora, ainda que seja por meio de músicas despretensiosas, ainda que seja debaixo de um chuveiro.
Fuja para a montanha do cinema, da maratona da série que mais aprecia, do mergulho em outras dimensões, envolvendo-se nas aventuras, morrendo de chorar com os dramas, dando trela de tanto rir das comédias. Compre ou prepare uma pipoca, de preferência arranje uma companhia que esteja no mesmo espírito que o seu, e se aconchegue durante horas, deixando o celular de lado, parando de se estressar com postagens e comentários sem noção nas redes sociais, não se preocupando em desmentir fake news nos grupos de família. Esse tempo é seu e de quem você escolheu para estar contigo. Ninguém mais. Lembre-se: você está numa montanha!
“Fugir para as montanhas não é se alienar. Todos nós sabemos que os problemas existem e eles nos cobram decisões. Mas essas resoluções, as mudanças que teremos que empreender, as atitudes que nos veremos obrigados a tomar só terão validade se não perdermos nossa identidade, se conseguirmos proteger nossos espíritos de adoecimentos.”
Fuja para a montanha de uma viagem que deve ser planejada com entusiasmo e leveza, priorizando seus sonhos, seus anseios, os lugares que você deseja conhecer, os restaurantes em que você quer comer, os passeios que espera fazer, os museus que adoraria visitar. E vá com alma desarmada, aproveitando cada segundo de suas novas experiências, estando aberto às surpresas, tentando se aborrecer o mínimo possível com eventuais imprevistos. Construa essa montanha com curiosidade, compreensão diante do desconhecido, abertura para novas amizades, outras culturas.
Fugir para as montanhas não é se alienar. Todos nós sabemos que os problemas existem e eles nos cobram decisões. Mas essas resoluções, as mudanças que teremos que empreender, as atitudes que nos veremos obrigados a tomar só terão validade se não perdermos nossa identidade, se conseguirmos proteger nossos espíritos de adoecimentos. Estar angustiado o tempo todo pode nos paralisar e isso sim seria uma derrota, uma catástrofe. Não podemos ficar parados. É necessário seguir, para as montanhas, para projetos há muito adiados, para novos horizontes que podem surgir diante do que parece desesperador. Fujamos todos para nossas montanhas! Rumemos para lugares mais altos que este pântano em que nos atolamos.