Quando seu nome foi anunciado como o ganhador do Nobel de Literatura de 1957, Albert Camus (1913-1960) chegou a cogitar a recusa à premiação, como o faria Sartre, sete anos depois. O escritor enfrentava um momento particularmente difícil de sua trajetória como intelectual público, e a notícia de que havia sido o escolhido para receber a mais alta honraria do mundo das letras acabou por lhe trazer inicialmente mais aborrecimentos do que motivos para comemorar.
A briga pública com Sartre, por conta das críticas de Camus ao stalinismo, os ataques que vinha recebendo em virtude da sua postura, considerada “moderada demais”, com relação à guerra da Argélia (nascido naquele país, filho de franceses, Camus era a favor da independência da sua terra natal, mas deplorava a violência terrorista) e o temor de que, aos 44 anos, se tornasse um escritor “enquadrado”, “etiquetado” pelo Nobel – tudo isso fez com que o autor de O Estrangeiro não se sentisse lá muito animado com a homenagem e considerasse seriamente a possibilidade de rejeitá-la.
“Terei mais inimigos do que nunca”, pressagiou ele, segundo narra o seu mais importante biógrafo, Olivier Todd.
As pedradas de fato vieram, tanto da esquerda quanto da direita (esta última sempre vira com desconfiança aquele escritor de origens proletárias, nascido na colônia). Jornais como o L’Humanité, socialista, e o Dimanche Matin, ultraconservador, mostraram uma inabitual sintonia, publicando críticas venenosas à indicação de Camus para o Nobel.
Embora sua vontade fosse “desaparecer por algum tempo”, Camus resolveu enfrentar seus detratores e aceitar o prêmio. Alugou um fraque e partiu para Estocolmo. Lá, no dia 10 de dezembro de 1957, na solenidade de entrega do Nobel, diante de uma plateia na qual estava o rei sueco, Gustavo VI, pronunciou um inesquecível discurso, em que define o que é a “sua arte” e o que deve ser, na sua opinião, o papel do escritor.
“A arte não é aos meus olhos”, afirma Camus, “um prazer solitário”. O artista, prossegue ele, em vão escolherá esse ofício por se julgar diferente das demais pessoas – logo ele aprenderá que o que alimenta a sua arte é justamente a sua semelhança com os outros. A arte, define, “é um meio de emocionar o maior número de pessoas, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns”.
A arte não separa, mas vincula os seres humanos, tendo em vista que fala àquilo que temos em comum, a nossa humanidade. Porque implica uma abertura para o outro, jamais pode se realizar no isolamento.
“Aquele que […] escolheu seu destino de artista porque se sentia diferente aprende bem rápido que ele só alimentará sua arte, e sua diferença, quando admitir sua similitude com todos os outros. O artista se forja neste vaivém perpétuo entre ele e os outros, a meio caminho da beleza da qual não pode abrir mão e da comunidade da qual não pode se apartar. É por isso que os verdadeiros artistas nada desprezam; eles se obrigam a compreender no lugar de julgar”, adverte Camus.
Em outro discurso proferido dias depois, também na Suécia, Camus volta a refutar a imagem corrente que coloca o artista como um ser à parte. Se há alguém que não tem direito à solidão, este alguém é justamente o artista. A arte não pode ser um monólogo, ela sempre estabelece um diálogo.
“A arte pela arte, a diversão de um artista solitário, é justamente a arte artificial de uma sociedade falsa e abstrata. […] é a arte de salão, ou a arte puramente formal que se alimenta de preciosidades e abstrações e que termina destruindo toda a realidade”, critica.
A criação artística deve ser livre, mas essa liberdade não se dissocia do compromisso do artista para com o mundo. Esse compromisso, por sua vez, não é sinônimo de resignação, uma aceitação passiva do real, mas requer uma atitude constante de revolta e uma abertura para novas possibilidades de existência.
“A arte não é nem recusa total, nem consentimento total àquilo que é. Ela é ao mesmo tempo recusa e consentimento, e por isso ela só pode ser uma fratura perpetuamente renovada. O artista se encontra sempre nessa ambiguidade, incapaz de negar o real e, contudo, eternamente destinado a contestá-lo no que ele tem de eternamente inacabado”, diz Camus.
Se a arte de Camus é engajada, é nesse sentido – uma arte que, “feita de coragem e liberdade”, jamais se recusa ao combate, na sua “dura fraternidade” com os seres humanos.