Não torça contra! Espere começar! Táokei, vamos aguardar. Juro que não vou torcer contra, que não vou boicotar, que tentarei compreender até aquelas ações com as quais discordo. Afinal, estamos todos no mesmo barco mesmo quando não vamos com a cara de quem o comanda. Isso, porém, não me cassa o direito de analisar o que ocorreu, o que vem ocorrendo e, mais grave, o que se prenuncia a partir dos primeiros movimentos tomados por quem se vendeu como arauto da moralidade, mas também não fez o menor esforço para disfarçar suas limitações e seus preconceitos arraigados.
Hoje é um novo dia, um novo tempo, que começou pode ser muito bonitinho para vinheta de Final de Ano, mas na vida real, esse novo tempo anuncia uma viagem ao passado, um regresso a tempos que julgávamos sepultados, a épocas que apenas as nações mais atrasadas e fechadas do mundo costumam louvar. O ano de 2019 que está prestes a começar, mesmo com todo o nosso know how de aguardar – e viver – o pior a partir de governos que ascendem e que apodrecem no exercício do poder, está singularmente mais nublado, em vários sentidos, em muitos horizontes.
“Hoje é um novo dia, um novo tempo, que começou pode ser muito bonitinho para vinheta de Final de Ano, mas na vida real, esse novo tempo anuncia uma viagem ao passado, um regresso a tempos que julgávamos sepultados, a épocas que apenas as nações mais atrasadas e fechadas do mundo costumam louvar.”
O Brasil, que há décadas poderia já ter se destacado como uma potência ambiental, sido vanguarda em projetos de sustentabilidade, ter fornecido lideranças globais nesta área, padeceu, governo após governo, de um alto grau de negligência nesse setor. Agora, como se o que já era ruim devesse piorar, rumamos na contramão da história e do bom senso e teremos um chanceler que acredita em teorias bizarras sobre um complô fantasioso de esquerda para negar o irrefutável: o aquecimento global. De potencial liderança, viramos ameaça ambiental, com chances de sermos piada.
Além disso, fala-se abertamente, em um movimento que desagrada até setores econômicos importantes, em relaxamento de regras de fiscalização, em diminuição de reservas legais, em mineração desenfreada, em aculturação dos indígenas, como se estivéssemos nos tempos das bandeiras e não houvéssemos evoluído nada nesses últimos 300 anos. E qualquer voz que se levante contra tais tragédias anunciadas são vistas como “boicote”, “esquerdopatia”, “militância petista”, sem que argumentos mais sólidos para tais ações, a não ser crenças toscas, sejam apresentados.
Em outras áreas igualmente essenciais, como a educação, o trator do atraso e da ausência de debate também avança. O projeto Escola Sem Partido, mesmo criticado por quem entende do riscado, permanece de pé e ganhando força, o que condenaria o Brasil a ter uma educação vigiada e tolhida, indo em sentido contrário a todas as experiências educacionais que deram certo em países desenvolvidos, em que a troca de ideias fomenta e sustenta a formação de cidadãos mais livres e autônomos, mais conscientes de suas potencialidades e mais informados sobre o mundo.
Quando se lê no plano de governo – qualquer governo que seja – que uma das principais mentes que o país já produziu, cujo legado é citado em nível global, deve “ser varrido” das escolas, há algo de podre neste reino tão longe de ser a Dinamarca. “Varrer” Paulo Freire do sistema educacional brasileiro é uma proposta que revela o quanto alguns setores e indivíduos cultivam e se orgulham da própria ignorância. Se em 2019 esse delírio será posto em prática, temos tudo para vivermos um ano que chancela uma estreiteza de pensamento que mais que constrangedora, é triste.
“Hoje é um novo dia, um novo tempo, que começou pode ser muito bonitinho para vinheta de Final de Ano, mas na vida real, esse novo tempo anuncia uma viagem ao passado, um regresso a tempos que julgávamos sepultados, a épocas que apenas as nações mais atrasadas e fechadas do mundo costumam louvar.”
Nas Relações Exteriores também estamos diante de uma ladeira, prontos para nela rolar desenfreadamente. O discurso de que temos de eliminar ações “ideológicas” de nossa política externa vem sendo apoiado por ações que são ideológicas até a medula. Desconvidar nações para uma posse por serem ditaduras é até justificável. O que ninguém justifica é que apenas as ditaduras e governos autoritários que desagradam pessoalmente o novo inquilino do Alvorada e sua turma foram barrados no baile. Outras, até mais sanguinárias (vide Arábia Saudita e China) permanecem convidadas.
E na economia, a perspectiva, dados os primeiros movimentos, pode até parecer promissor para a maioria da população, talvez porque esse pessoal todo ainda não entendeu que a faca do Posto Ipiranga vai cortar na carne, mas não na dos privilegiados. Um dos alvos é o Sistema S, que mantém programas para estudantes, trabalhadores em busca de profissionalização, lazer e cultura para milhões de pessoas. Programas que, em muitos casos, serão extintos, retirando um pouco mais de cidadania de quem já não a goza plenamente. Mas cidadania é ativismo, não é?
E por falar nisso, falar em direitos humanos no Brasil será quase um crime, uma pecha que poderá até colocar a vida do infeliz que se aventurar a adentrar nesse terreno em risco. Ameaças, atentados, execuções já são uma rotina terrível nessa seara. Se tais absurdos começam a ser, não condenados, e sim acatados por um poder institucional, teremos a barbárie pura e simples. E esse apoio não precisa ser explícito, mas simbólico, como a aceitação de que um parlamentar eleito pelo partido do novo governo vilipendie a memória de uma vereadora assassinada e seja elogiado por isso.
“Ameaças, atentados, execuções já são uma rotina terrível nessa seara. Se tais absurdos começam a ser, não condenados, e sim acatados por um poder institucional, teremos a barbárie pura e simples.”
Em 2019 teremos muitos e áridos desafios. Sucateamento de universidades, privatização de serviços essenciais, luta contra discriminações que se darão das mais diferentes maneiras, constrangimentos internacionais, confrontos desnecessários, ameaças de autoritarismo sempre pairando no ar. Boicote? Má vontade de minha parte? Revanchismo? Podem até pensar assim, faculto a todos a liberdade para opinar. Em minha defesa posso dizer apenas que tudo o que aventei aqui não saiu da URSAL e sim de palavras do próprio presidente e de seu núcleo de assessores. Se não gostaram, é melhor pedirem a eles que mudem tudo isso daí, táokei?
Parabéns Rogério Borges, obrigada por seu texto, que lava a minha alma!
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Um abrç