Você já se colocou no lugar de alguém? Mais: você já se colocou no lugar de alguém que sequer conhece, mas ficou sabendo de uma história em que esse desconhecido está envolvido? Ainda mais: você já se colocou no lugar de quem não gosta, de alguém por quem não nutre nenhum tipo de simpatia? Pois é, sei que é complicado. E cada vez mais penso que é necessário. Só assim, com esses exercícios, alguns incômodos mesmo, podemos ter atitudes mais positivas, com os outros e conosco.
Vivemos um tempo sombrio, em que o ódio prospera e se espalha. Diferenças políticas nos levaram a isso, mas não só. Ideologias partidárias já não podem dar conta de tantas demonstrações de incivilidade, tanta ausência de empatia. Embates de ideias e momentos de mais ardor não são uma novidade. Faz parte da democracia a divergência e o debate, mesmo os mais acalorados. O que independe de sistemas políticos ou preferências nessa seara, porém, é a mais básica humanidade.
“Você já se colocou no lugar de quem não gosta, de alguém por quem não nutre nenhum tipo de simpatia? Pois é, sei que é complicado. E cada vez mais penso que é necessário.”
Ano passado, houve quem comemorasse uma facada num candidato à Presidência, como se esse tipo de coisa se justificasse em qualquer situação. Esse mesmo candidato que havia desejado um câncer ou um enfarto para uma presidente da República. Agora, o filho dele leva para o confronto político a morte de uma criança de sete anos de idade, neto do seu adversário, colocando em dúvida a dor desse avô que precisa ver seu neto ir embora tão precocemente e ver seu filho viver a pior dor imaginável.
Uma sensação ruim, péssima fica de todos esses episódios. Há um clima bélico no ar, vitaminado por redes sociais em que pessoas que deveriam ter um tantinho de compostura fazem exatamente o oposto, inspirando ainda mais violência e mais ódio. Uma vereadora é executada e há quem comemore esse crime hediondo. Vandaliza-se as homenagens a ela, relativiza-se a gravidade dessa e de tantas outras atrocidades, fazendo-se piada com assédios, agressões, celebrando doenças e fatalidades.
O mundo nunca foi um lugar dos mais amistosos, mas o Brasil atual está especialmente hostil. E pensar que o acesso às armas tem sido facilitado em um cenário de tanta intolerância, de troca de ofensas e insultos de maneira ininterrupta, em que as pessoas parecem viver vidas paralelas, pregando execuções sumárias de dia e indo rezar à noite, como bons “cidadãos de bem”. E as estatísticas só trazem más notícias e pioram. Somos campeões em vários crimes, agora todos encharcados de ódio.
“Há um clima bélico no ar, vitaminado por redes sociais em que pessoas que deveriam ter um tantinho de compostura, fazem exatamente o oposto, inspirando ainda mais violência e mais ódio.”
O que fazer com essa tonelagem de terríveis pensamentos, de sentimentos tão degradados, de almas tão doentes? Acredito que diante do horror, temos de nos proteger da forma que conseguirmos. Nem sempre é possível ficar imune a tais manifestações de tamanha desumanidade, mas precisamos buscar esse objetivo ou também adoeceremos, estaremos à mercê dos demônios alheios. Vamos tentar atravessar esse oceano de raiva e ressentimento. Precisamos tentar, a todo custo.
Ótima reflexão! Também penso assim. Precisamos de paz, respeito e amor ao próximo.
Travessia difícil, precisamos de paciência e tolerância sem abandonar o combate necessário à sobrevivência pessoal e ao convívio coletivo salutar.