Rocinha. Domingo. Acordo mais cedo do que o habitual com o som do louvor da “Igreja da Fé Sobrenatural” – não entendo uma fé não sobrenatural, mas como publicitária entendo a redundância. Respeito toda espécie de manifestação religiosa, mas não a que atrapalha meu sono de domingo.
Com uma xícara de café – sem açúcar, amargo como a palavra “Adeus” – fico na janela listando mentalmente o que eu tenho que fazer nos próximos oito dias. Minha mente é como uma partícula em um acelerador de partículas. Entrevista com um professor – não tenho roteiro. Beijar a mãe e falar o quanto sinto sua falta nos períodos de trabalho. Ir para a terapeuta e me achar culta enquanto folheio a Piauí e escuto algum drama familiar pesado que vem da parede atrás da minha cadeira de espera. Ler os trezentos textos da faculdade. Sair com o namorado. E o telefone do entrevistado mesmo? Não tenho.
Termino o café e minha cabeça estava tão cheia de obrigações que não percebi uma minifigura na janela à minha frente:
– Pai, compra mais passarinhos! – falava em um tom autoritário enquanto seus olhinhos amendoados focavam em uma gaiola pendurada do lado da janela. Um casal de algum tipo de um passarinho que eu não soube identificar cantava em uma sinfonia perfeita – soava estranhamente como Clair de Lune, de Débussy.
Sempre fui contra a prática de comprar e enjaular passarinhos – passarinhos nasceram para serem enjaulados pelas nuvens, apenas. Contudo, a realidade da favela foi aos poucos mudando essa minha concepção e o pedido da minha vizinha foi um ponto-chave, um pio agonizante de realidade – doloroso e necessário, uma espécie de ação paliativa para a vida.
Ela não queria ganhar mais passarinhos, aprisionar seres indefesos. O que aquela criança queria eram cantos de passarinhos em um local demarcado vez ou outra por pios de balas perdidas – feito uma ave errante, longe de seu bando.
Se os pios dos passarinhos enjaulados eram de agonia ou de alegria eu não sei dizer. Só sei que o pedido daquela criança era de agonia implícita – disso não me resta dúvida alguma.