Encontrar uma pessoa que acredita no que seu semelhante tem de melhor é algo cada vez mais raro. Na maior parte das vezes, estamos preocupados em salientar os defeitos alheios, em nos envenenar, em repercuti-los mesmo inconscientemente. Frei Marcos de Lacerda nunca pertenceu a esse time que tem uma visão negativa. Pelo contrário, ele sempre cultivou a esperança no talento, na bondade do outro e, vigorosamente e sem abrir mão de princípios humanísticos, apoiou quem precisava.
No domingo, dia 26 de maio, Frei Marcos partiu, e a cidade de Goiás, onde viveu por décadas mudando o destino de incontáveis pessoas ao seu redor, chorou por essa partida. Dos seus 88 anos de vida, dedicou 46 às causas dos mais pobres, sempre encontrando um modo de auxiliar os mais necessitados a partir de sua casa, a Igreja e Mosteiro Nossa Senhora do Rosário, administrado por sua ordem religiosa, a dos dominicanos, da qual foi uma das expressões de maior relevância no Estado.
Com sua longa barba, sua boina e seu jeito manso, Frei Marcos foi um homem de ação. Defensor da reforma agrária, cerrou fileiras ao lado do antigo arcebispo de Goiás, Dom Tomás Balduíno, para trabalhar em prol de sem-terras e assentados da região, sempre conseguindo importantes avanços nesta área. Isso explica o fato de o entorno da antiga capital de Goiás ser uma das que mais contabilizam assentamentos. Muitos desses locais são exemplos de produção de forma cooperada.
Outro trabalho importante que Frei Marcos realizou em Goiás foi criar uma associação de artesãos, que tiveram no amplo quintal da própria Igreja do Rosário o espaço necessário para montar os ateliês e as oficinas, onde aprenderam e aprimoraram o ofício, aferindo renda e dignidade a partir do barro, da arte de suas mãos, da criatividade para esculpirem peças que se espalharam pelo mundo por meio dos turistas, encantados com os potes, os santos, os objetos de decoração ali feitos.
Frei Marcos mostrava, em cada um desses projetos, sua fé na capacidade de as pessoas mudarem suas vidas, reescreverem seus destinos, estabelecer outras direções para suas existências a partir de seus próprios talentos, de possibilidades de trabalho que muitas vezes nem elas mesmas sabiam possuir. O religioso, porém, acreditava em todos, sem qualquer tipo de discriminação, com uma atitude acolhedora, uma prosa agradável, um mundo de histórias para contar, respeitando a realidade de cada um.
Outra obra fundamental de Frei Marcos para a cidade de Goiás e seus habitantes foi a luta incessante que manteve em prol do sistema de saúde local. Criou a Associação de Saúde São Pedro de Alcântara, que ajudou a conservar os serviços do hospital de mesmo nome, mesmo com tantas dificuldades financeiras. Em 2017, por exemplo, iniciou a obra de um centro de hemodiálise. Ele era sensível a cada pedido, a cada demanda e cobrava das autoridades que fizessem sua parte.
Alguns anos atrás, ele foi homenageado durante o Carnaval pelo bloco de rua que faz sua tradicional folia no Largo do Rosário, na frente da igreja em que morava. Ele adorou e soube unir sua atuação religiosa com a alegria popular. Sua igreja também abriu as portas para concertos de harpas e violinos, para a música camerística, para as celebrações que fizeram Goiás ser uma referência. Com sua boina, sua longa barba e um coração enorme, Frei Marcos deixou sua marca. A marca da bondade.
Texto sensível, como todos os da lavra do Rogério. Merecida homenagem. Frei Marcos, presente!