Dachau (Alemanha) – Tão perto da cosmopolita Munique e tão longe de qualquer resquício de humanidade. Assim pode ser localizado o extinto campo de concentração nazista de Dachau, a cerca de 30 minutos de trem da capital da Baviera, lugar que traz em sua história a mácula de ter sido o berço de uma das mais aterradoras experiências políticas já realizadas sobre a Terra. Em Munique nasceu o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista. E em Dachau o mal tomou forma.
Há cem anos, numa cervejaria da cidade, um grupo de ressentidos alucinados lançou a plataforma de uma agremiação política movida a ódio e vingança. Apesar de a sigla trazer o nome Socialista em seu batismo, ela não tinha qualquer afinidade com as esquerdas alemãs. Ao contrário, notabilizava-se por um sentimento de perseguição incondicional a comunistas, um de seus alvos principais, ao lado dos judeus. Na verdade, não faziam grandes distinções entre uns e outros. A raiva cega os igualava.
A história conta que o Partido Nazista, nacionalista e xenófobo, foi, aos poucos, inoculando seus ideais de desprezo pela diferença e de eliminação de seus inimigos no povo alemão. Por meio de eleições democráticas – sim, tudo dentro do figurino, na base do convencimento a respeito de sua plataforma política repugnante –, a sigla chegou ao poder máximo na Alemanha em 1933, tendo à frente um veterano da 1ª Guerra Mundial – chegou a ser ferido no conflito – que dominava a arte da oratória.
Adolf Hitler, em discursos inflamados, trazia à tona o “orgulho alemão” para fazer seus seguidores apoiarem toda e qualquer ação que pudesse encampar, por mais alucinada que pudesse ser em condições normais. Mas as condições não pareciam normais em um país ressentido por ter perdido uma guerra e, com isso, ter sido submetido a humilhações internacionais, arcando com uma dívida impagável ao mesmo tempo em que perdia território e via sua população mergulhada em uma severa crise econômica.
Esse contexto complicado alçou ao poder um grupo de pessoas que sabia exatamente o que faria para colocar em prática, logo nos primeiros dias de governo, um plano desumano de perpetuação no poder. Aí entra Dachau, no quintal da maternidade de todo esse processo que faria, nos anos seguintes, milhões de vítimas. Ele foi aberto como uma espécie de prisão política já nas primeiras semanas do governo nazista. Dizer, portanto, que ninguém sabia do que se tratava tais projetos parece um tanto inverossímil.
Dachau está cravado em uma pacata e arborizada cidade de mesmo nome, por onde a linha do trem passava estrategicamente. Os prisioneiros chegavam nos famosos vagões da morte, onde conviviam prisioneiros e cadáveres de quem ia morrendo durante as longas e absurdas viagens, sem comida, sem água, sem ventilação. Os que conseguiam chegar eram separados nas terríveis seleções em grande medida aleatórias que definiam a sorte de quem caía em desgraça com os nazistas.
Essa dinâmica, de fato, começou a ser mais constante já nos anos 1940, mas Dachau, com suas celas onde a morte era comum, serviu como um projeto-piloto para saber até onde se poderia ir nas perseguições. E eles foram longe demais já em 1933, quando dezenas de nomes de oposição – membros do Partido Comunista, líderes judeus e católicos, intelectuais e professores – foram trancafiados, torturados, submetidos a trabalhos forçados e, não raramente, executados.
Em Dachau, é possível visitar atualmente um longo edifício, com celas de ambos os lados de um sombrio corredor, onde foram encarcerados inimigos do Estado. Há até uma sala de tortura, onde eram espancados, recebiam eletrochoque, eram mutilados. Locais insalubres, sem iluminação, em que prisioneiros enlouqueceram diante das condições em que viveram por anos a fio, muitas vezes sob falsas acusações. Houve ainda casos de fugas forjadas que justificaram fuzilamentos sumários.
Dachau foi o mais longevo dos campos de concentração do nazismo. Suas atividades começaram em março 1933 e perduraram por 12 anos, até a chegada das tropas aliadas ao local, em 26 de abril de 1945, poucos dias antes do suicídio de Hitler, que marcou a derrota alemã na Segunda Guerra Mundial. Nesse longo e tenebroso intervalo de tempo, serviu de depósito de pessoas. Já em seu primeiro ano de funcionamento, quase 5 mil desafetos do nazismo foram ali encarcerados.
Quanto mais as ações antissemitas do regime nazista ficavam intolerantes, mais a capacidade de uso de Dachau era ampliada. Antes destinado, sobretudo, a inimigos políticos do governo, como os comunistas, ele passou a receber mais judeus a partir da aprovação das famigerada Leis de Nuremberg, de 1935. Outra grande leva foi enviada para dentro de seus muros em novembro de 1938, saldo da terrível Noite dos Cristais, um motim contra os judeus que resultou em mais de 10 mil detenções no lugar.
Mais de 200 mil pessoas foram presas em Dachau. Quando foi liberado, no campo de concentração havia 32 mil sobreviventes, instalados nos grandes alojamentos paralelos que dominavam a paisagem. O que se ocultava na parte dos fundos do complexo, porém, seria o mais estarrecedor. É bom lembrar que Dachau foi o primeiro campo de concentração libertado pelas tropas aliadas em território alemão. E ali foi possível comprovar que as piores suspeitas de genocídio eram verdadeiras.
Depois de um pequeno regato, o mesmo que passa por bairros residenciais e parques da bucólica cidade, duas grandes estruturas eram verdadeiras fábricas da morte. O edifício mais antigo é o menor, mas a ideia de sua construção guarda o pior ideário nazista. Um enorme forno crematório está preservado, com sua chaminé. A fumaça que dali saía no auge do extermínio era a única visão material que os prisioneiros tinham da matança que ocorria a poucos metros. Não havia gritos, só silêncio.
Silencioso o lugar continua. Quem o visita mantém uma postura mais reflexiva, imaginando como foi possível tudo aquilo acontecer. Um dos ramais da linha férrea chegava nos fundos do segundo edifício, este sim formado por vários compartimentos. Oito bocas de fornos crematórios, construídos com método e organização, nos faz lembrar que ali eram empilhados corpos de inocentes – idosos, mulheres grávidas e crianças –, mortos em sem motivo, vítimas de um ódio e de um preconceito profundo contra suas existências.
Antes, há as salas onde os judeus eram apinhados, nus, recintos fechados em que suas vidas chegavam ao fim. As chamadas salas de desinfecção ou de banhos eram arapucas claustrofóbicas onde todos sufocavam com o efeito do mortífero gás Zyklon B, uma invenção covarde dos químicos nazistas. Quando percebiam o que estava acontecendo, já era tarde. Os gritos eram abafados por paredes espessas e portas hermeticamente trancadas. Bastavam 20 minutos e todos estavam mortos.
As câmaras de gás eram abertas, ventiladas para que o gás venenoso se dissipasse e os corpos recolhidos aos fornos crematórios, situados bem ao lado. As cinzas eram jogadas no bosque vizinho. Montanhas de cinzas, uma quantidade tão descomunal que precisaram enterrá-la em certo momento. Grandes covas onde as cinzas estavam foram descobertas posteriormente e hoje há placas indicando esses lugares. Pontos que ficam próximos de muros onde prisioneiros eram fuzilados.
Milhares foram executados nessas circunstâncias, principalmente os escolhidos para lidar com os cadáveres de outros prisioneiros. Os nazistas odiavam testemunhas e as eliminavam sempre que possível. No meio do bosque, nos limites do campo de concentração, ainda estão os paredões onde tantos perderam a vida. Do outro lado ficavam as belas mansões dos oficiais, onde os prisioneiros eram escravizados, à vista dos habitantes de Dachau. Seria possível não perceber o que estava havendo?
Por sobre as pedrinhas miúdas que formam o solo de Dachau, emoldurado por altas e belas árvores (testemunhas de um tempo de horror), a história se fez. Uma das piores partes dela. Uma exposição revela alguns desses horrores, que iam de torturas sádicas a experiências pseudocientíficas desumanas, no vasto complexo onde ocorreu de tudo. A poucos quilômetros de Munique, o nazismo começou e terminou sua sanha assassina. No campo há a mensagem: Nunca mais! Que não aconteça nunca mais, ainda que a intolerância insista em sair do esgoto.