[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
Canção do fio ao pavio
Poesia,
cicatriz
de uma hóspeda
doidivanas.
Poema,
sangria
de uma invasora
despida.
Poeta,
operador
de uma desobediência
inacabada.
Musa,
febre
de uma moléstia
incurável.
Alma,
casa
de uma dor
inebriada.
Terra,
marejo
de um coração
pupilo.
Tempo,
o império
de um sonho
falido.
• • •
[2]
Elegia da lembrança do tempo
Outra vez cá estou,
mudo, calado, inabitado
em meus poemas de dor.
Bagagem de passageiro
vespertino
que viu tudo, teve nada,
na sua preservada carga
de ligeira saudade.
Passa o tempo,
Deus guarda.
Ou preserva o tempo
dilacerado, redivivo.
Que o tempo é sábio,
sabe muito e sabe pleno.
E divide a vida em espaços
de alegrias inúteis
no desafogo dos sonhos.
Outra vez cá estou
soturno, no presságio,
olho amargo
a arder em lágrimas secas
em maremoto sem água
como queima o coração
cheio
cheio de lembranças
cheio de cheiros
cheio de noites
cheio de passado
cheio de sentimentos
cheio de pássaros
cheio e extravasado
cheio…
cheio de mim
sou elo
chuva
fluido
a recordar
a serpentear
casa,
jasmim,
memória
e a eternidade ao lado,
em outra porta
à saída desgovernada.
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[3]
A tristeza secreta
Na sagração das letras mais secretas, perdi a árvore fraterna que levava o fio geográfico da alma.
O que tenho é uma fome de beleza a transfigurar-se em magia de passarinho.
Sei que irei voar.
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[4]
Fortuna
A felicidade é um barco de muitos horizontes.
Chega à claridade de um futuro possível,
que nascerá do inóspito.
– no escuro da vida a ser vivida
Desobriga-se antes do tempo.
Reserva-se depois do necessário.
O ritmo é de descoberta.
O fundo, de náufrago resgatado.
Felicidade…
Nobre embarcação cheia de rumos!
Ora ordena paisagens
Ora se expande no íntimo,
no amarelecido de uma primavera extemporânea.
Felicidade é fortuna anciã.
Como a água que rebenta os sonhos esquecidos.
Como o pássaro que amplia as visões reencontradas.
– Liberdade conhecida!
Felicidade é barco de muitos horizontes…
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[5]
Dossel da primavera invisível
Há muito,
a mocidade das quimeras
acena a sua dor de beleza
estrangulada.
O pequerrucho recolhera
jambos, carambolas e pitangas
na miragem do passado.
– Estrelinhas, de preferência as amarelas!
E a boca avermelhada pelo perfume azedo
dos frutos caídos de maduro, agora lembro,
na estrada que levava a sua tristeza luzidia
até o estirão do rio da sua infância alegre.
Guarda em segredo a folhagem
que a vida espalha fugidia
sobre a invisível aragem
no andamento do mistério eterno.
E os sonhos são pedrarias
atiradas na clareira da alma
em travessia.
Há muito,
e é em demasia o Tempo de Deus,
o horizonte sob tempestades
sempre se rasgara em clarões.
A criança vira, espantada,
a artilharia da poesia furiosa
a sangrar os seus olhos de cereja
na galantaria de um nevoeiro
– que cercara o coração amargo
e os cavalos despencaram
na aurora da serrania em magia
que circundara o jasmineiro
do seu quintal hoje esquecido.
A primavera é transitória
e passageira, bem sei de mim,
no mar que naufrago balzaquiano
as palavras temporãs!
Todavia a floresta interior
respira jovem!
Vem
e levanta e caminha e mira
e apossa a terra de dentro,
pequenino,
que a febre do seu retiro acre
de girassóis e de xananas
e de outras doces florezinhas reveladas
– assim como a tarde precoce que morre –
também suporta silêncios que sofrem.
Diego Mendes Sousa nasceu na Parnaíba, no litoral do Piauí, em 1989. Advogado, jornalista, indigenista e professor universitário. É poeta, cronista, pesquisador e ensaísta de literatura. Idealizador e organizador do selo Item de Colecionador, da Editora Penalux. Em 2019, foi agraciado com o Prêmio Mário Faustino da Diretoria da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ) pela obra Velas náufragas, escolhida melhor livro de poemas do ano. É autor de Divagações (2006); Metafísica do encanto (2008); 50 poemas escolhidos pelo autor (2010); Fogo de alabastro (2011); Candelabro de álamo (2012); Gravidade das xananas (2019); Tinteiros da casa e do coração desertos (2019); O viajor de Altaíba (2019), e Fanais dos verdes luzeiros (2019). Também recebeu as seguintes premiações: Prêmio Olegário Mariano (UBE-RJ, 2009); Prêmio Castro Alves (UBE-RJ, Conjunto da Obra, 2013), e Prêmio João do Rio de Poesia da Academia Carioca de Letras (ACL, 2016). É membro titular do PEN Clube do Brasil, da Academia de Letras do Brasil, da Academia Brasileira de Direito e da Academia Piauiense de Poesia; sócio efetivo da Associação Nacional de Escritores (ANE) e da Confraria dos Bibliófilos do Brasil; e sócio correspondente da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ), da Academia Carioca de Letras (ACL), dentre outras instituições literárias pelo Brasil.
São ótimas as poesias do companheiro Diego. É sempre bom a gente ler poesias boas. Adorei! Parabéns amigo. Felicidades. ALBERTO ARAÚJO.