Ainda incipiente neste início de ano, a temporada teatral foi aberta na cidade com o espetáculo Arigó, do ator mineiro Ezequiel Vasconcelos. Para chegar até a capital, ele enfrentou muitos obstáculos, como a falta de patrocínio que atinge toda a classe artística. Felizmente, com o apoio independente de diversas empresas a produtora Plataforma. Art conseguiu proporcionar ao público de Goiânia a curta temporada da peça no Centro Cultural da UFG, na Praça Universitária.
Sair de casa numa noite chuvosa de quarta-feira (12/02) para assistir Arigó valeu muito a pena. Em pouco mais de uma hora, Ezequiel Vasconcelos mostrou todo o seu potencial de um ótimo contador de história, vivendo com intensidade o personagem Lázaro, soldado da borracha, como ficaram conhecidos os homens recrutados pelo Exército brasileiro para extrair látex nos seringais da Amazônia, a maioria nordestinos, durante a Segunda Guerra Mundial. A borracha era destinada à indústria norte-americana.
Com a simplicidade que o texto exige, e muita competência, Ezequiel Vasconcelos revive uma triste página da história do País, há muito esquecida. O resgate teve início a partir das lembranças do menino Ezequiel, mineiro de Brumadinho (MG), que morou com a família até os 12 anos em Rondônia e ouvia sempre falar do drama vivido pelos 55 mil jovens garimpeiros provenientes do sertão do Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte e outros Estados do Nordeste na Região Amazônica.
Amontoados em caminhões pau de arara, eles eram levados para Fortaleza, onde passavam por exames de saúde, recebiam vacinas e um kit composto de uniforme, sandálias, apetrechos de extração da borracha, uma rede, utensílios domésticos e duas cadernetas: uma para anotar a quantidade de látex extraído diariamente e a outra para os gastos pessoais que seriam descontados do mísero salário que recebiam. Interessante como o ator recriou a história de Lázaro com poucas palavras, resmungos, trejeitos, mímica e improvisações e uma narrativa enxuta. No contexto social, insere fatos importantes com muita habilidade. O forró na trilha musical, algumas cenas de humor extraídas de situações limite e as surpresas constante da floresta quebram a tensão da narrativa.
O grande mérito da direção de Marcelo Morato é deixar o texto fluir e o ator improvisar nas cenas mais amargas. Convidada para a direção de movimento, Lavínia Bizotto, ex-bailarina da Quasar Cia. de Dança ( radicada no Rio de Janeiro), investiu nos movimentos corporais que remetem ao sofrimento físico e psicológico do personagem. Muito bem ensaiado, o texto nos leva por caminhos inimagináveis dentro da selva, ao cansaço, ao medo, à doença, à solidão e à fome daqueles homens corajosos, que ao término da guerra foram abandonados à própria sorte. Não veio também a recompensa, tampouco o reconhecimento como “heróis nacionais” prometidos pelo governo de Getúlio Vargas. A maioria morreu, foi esquecida. Alguns conseguiram voltar para casa, outros ficaram por lá mesmo.
Arigó, palavra que significa ave de arribação, estreou no Rio de Janeiro em 2019. Em seguida, fez curta temporada em Belo Horizonte, passou por Goiânia e agora segue outros caminhos em turnê. A produção deverá estar em cartaz nos palcos de Fortaleza, Belém, Porto Velho e Manaus, onde a história aconteceu em um passado não muito distante. Arigó cumpre o papel do teatro de resgatar páginas importantes , proporcionando às novas gerações conhecer fatos relevantes da história do Brasil.