[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides
[1]
Poema floral
Finestra:
obertura practicada a la prazer
per donar entrada a la llum
i a l’aire.
Finestra,
tres fulles de clavell.
Obertura practicada a la paret,
dues branques de morera.
Per donar entrada,
una fulla d’heura.
A la llum i a l’aire,
una branca de gerani.
Poema floral
Janela:
abertura praticada na parede
para dar entrada à luz
e ao ar.
Janela,
três pétalas de cravo.
Abertura praticada na parede,
dois galhos de amoreira.
Para dar entrada,
uma folha de hera.
À luz e ao ar,
um ramo de gerânio.
• • •
[2]
El petó
Respira,
sembla, al peu mateix de l’arbre,
l’herba obstinada. En cullo
un bri per tants peus abatut.
Té; fes-lo cabre com a record
d’aquest capvespre amb mi.
Poema
per a esculpir en fusta
de llimoner.
¿I com va rebre Dafnis
el petó de Cloe?
O beijo
Respira,
talvez, no próprio pé da árvore,
a erva obstinada. Colho
um ramo por tantos pés pisado.
Tome: que sirva de recordação
deste crepúsculo comigo.
Poema
para esculpir em madeira
de limoeiro.
E como recebeu Dafnis
o beijo de Cloé?
• • •
[3]
Poema
Tot poema
és una detenció,
ja que sostreu formes de la vida
per conservar-les en els versos.
Entra Pierrot duent posada
una casaca vermelha. Entra
Arlequí amb un molinet de
cafè. Entra Pierrot amb un
braçat de figues de moro. Entra
Arlequí amb bigotis. Entra
Pierrot en vespa i s’allunya
carrer enllà.
Colombina tanca la finestra
i es retira, que els llamps
tant maten homes com dones.
Poema
Todo poema
é uma prisão,
já que subtrai formas da vida
para conservá-las nos versos.
Entra Pierrô vestindo
uma casaca vermelha. Entra
Arlequim com um moedor de
café. Entra Pierrô com uma
braçada de figos-da-índia. Entra
Arlequim de bigode. Entra
Pierrô à toda e se afasta
rua abaixo.
Colombina fecha a janela
e sai, que os raios
tanto matam homens quanto mulheres.
• • •
[4]
Si la mar
s’assecava, hi veuríem al fons
replans i esplanades. Les illes
són els cims de les
muntanyes.
Baixar
és cosa fàcil.
Nit i dia hi ha portes
obertes. Però tornar a pujar
és un esforç molt dur.
Tampoc
les muntanyes
no influeixen damunt la
rodonesa de la terra. Són
com rugositats a la pell
d’una taronja.
Se o mar
secasse, veríamos no fundo
planícies e esplanadas. As ilhas
são os cimos das
montanhas.
Chegar
no fundo é fácil.
Dia e noite há portas
abertas. Mas retornar
é um esforço muito duro.
Tampouco
as montanhas
influem sobre a
redondez da terra. São
como rugosidades na pele
de uma laranja.
• • •
[5]
La son del peix
El món
està submergit al fons
de las aigües de l’espai.
Es veu sortir una gran claror
seguida de crits i rialles.
Està escrit:
No pot ser explicat
el com i el perquè
de les ciutats que existeixen
amb carrers i edificis
enfonsades a l’espai,
ran de la platja.
I encara:
La mar
és vida, la mort
és platja.
A sonolência do peixe
O mundo
está submerso no fundo
das águas do espaço.
Vê-se que surge um grande clarão
seguido de gritos e risadas.
Está escrito:
Não pode ser explicado
o como e o porquê
das cidades que existem
com ruas e edifícios
afundados no espaço,
junto da praia.
E mais:
O mar
é vida, a morte
é praia.
Perfil
Joan Brossa i Cuervo nasceu em 19 de janeiro de 1919, em Barcelona, e morreu em 30 de novembro de 1998 na mesma cidade. Foi dramaturgo, designer gráfico, artista plástico e poeta, dedicando-se tanto à poesia escrita quanto à visual e ao poema-objeto. Defensor da autonomia política da Catalunha, escreveu sempre em catalão a despeito da censura franquista, que proibia publicações nessa língua. Como um dos grandes nomes das vanguardas europeias da metade do século 20, deixou obras de inestimável valor. Na década de 1940, aproximou-se do surrealismo e da psicanálise. Tornou-se amigo de João Cabral de Melo Neto, com quem manteria intenso e rico diálogo. Em 1943, publicou o seu primeiro livro, La bola i el escarabat (A bola e o escaravelho). Após as precedentes Ariel e Algol, lançou, em 1948, com Tàpies, Ponç, J. J. Tharrats, Arnau Puig e Modest Cuixart, a revista Dau al Set (Dado de sete), cujo plano editorial procurava retomar o espírito vanguardista que havia em Barcelona nas primeiras décadas do século 20. Na sua intensa e variada atividade como artista, escreveu os seguintes livros: Em va fer Joan Brossa (1951, com prefácio de João C. de M. Neto), Poemes civils (1961), Les ungles del guant (1974), Poemes visuals (1975), Accions musicals (1975, poesia cênica combinada com música), Poemes objecte (1978), Poemes escollits (1995, antologia temática organizada por Glòria Bordons), Gart (1996, roteiro cinematográfico), Sumari astral (1999), Antologia de poemas de revolta (2001) e A partir del silenci (2001, antologia polimórfica organizada por Glòria Bordons). Os poemas que constam nesta coluna foram selecionados do livro Poemas civis (Sette Letras, 1998), com tradução, notas e posfácio de Ronald Polito e Sérgio Alcides. Estudiosa e pesquisadora do autor catalão, Glòria Bordons escreveu que “Joan Brossa nega a discursividade lógica e joga com as palavras e com as associações fônicas. O centro cabal da sua poesia é a palavra. É no entorno deste elemento que ele organiza o poema. Utiliza as palavras pelo que há de objeto nelas e pela possibilidade de sua representação visual. Por outro lado, utiliza a linguagem coloquial como instrumento para provocar efeitos inesperados quando a descontextualiza. Em outros casos, por um procedimento de base surrealista, o poema consiste numa justaposição de frases e estrofes aparentemente desconexas. Brossa transforma a realidade com a magia e com a militância política, que de fato não é mais que o reflexo de uma realidade sociopolítica que cerca a liberdade” (cf. prefácio em Poesia vista: Joan Brossa. Trad. de Vanderley Mendonça. São Paulo: Amauta Editorial/Ateliê Editorial, 2005).