A primeira impressão que tive da majestosa Piazza Castello, coração da bela e arborizada cidade de Turim, no norte da Itália, era a de que o espaço era amplo demais e com pouca sombra para as pessoas se aliviarem do forte calor que fazia naquele verão europeu de dois anos atrás. Andando um pouco mais pelas famosas arcadas, uma das marcas registradas da cidade italiana, percebi que estava sendo injusto, já que na porta de cada uma das lojas que lotavam os edifícios em volta havia um banco para descanso.
Nesses bancos, era muito comum encontrar pessoas idosas, homens e mulheres de que, em grupo ou sozinhos, conversavam em discussões animadas ou apenas cismavam, olhos atentos ao movimento, talvez pensando em como a vida corre rápido hoje em dia. Ao passar por eles, ficava pensando no que já haviam vivido. Os mais velhinhos deviam ter alguma lembrança do fascismo de Mussolini, que teve em Turim um de seus enclaves mais intensos. Deviam se lembrar da guerra, da fome, do medo.
Agora, a pandemia do novo coronavírus trouxe-me à lembrança aquelas feições brancas e enrugadas que tanto vi nas andanças que fiz pela capital da província do Piemonte, cidade cosmopolita que está nos pés dos Alpes (daí vem o nome da região, Pé do Monte), pertinho da fronteira com a França, não distante da Suíça. Um entroncamento do mundo em que se pode ouvir alguns idiomas, que possui um transporte eficiente e um centro histórico de cair o queixo. Tudo isso, agora, cheira a morte.
Com milhares de mortos e comboios de caminhões carreando caixões que levam vidas que não tiveram tempo de terminar direito e ganhar a despedida da família querida, a Itália vive seu momento mais dramático desde a Segunda Guerra Mundial. E muitos dos sobreviventes daquele conflito sucumbem diante de um inimigo invisível e letal, que escolheu entre suas vítimas preferenciais justamente os velhinhos do Piemonte, da Lombardia, do Vêneto. E lá se vão todas aquelas histórias, ceifadas repentinamente.
Penso em Turim hoje. Seus belos calçadões, seus bares animados na Piazza Vittorio Venetto, à beira do Rio Pó, tudo vazio e desolado. Centenas de famílias em luto já não sobem no monte onde fica a Basílica de Superga para observar os telhados antigos e seus desenhos peculiares. O Museu do Cinema está vazio e a torre da Mole Antonelliana, fechada. A Catedral de Turim, construção do século 15 onde repousa uma das relíquias mais sagradas do Cristianismo, o Santo Sudário, não recebe mais fieis.
Aqueles velhinhos e aquelas senhorinhas do Piemonte, de bengalas e óculos, sapatos baixos e lenços no cabelo, calados ou gesticulando à italiana, olhando com atenção os turistas que por eles passavam, estão silenciosos agora. Presos em suas próprias casas, têm medo de amanhecerem tossindo, de sentirem algum tipo de falta de ar. Conhecem vizinhos e parentes, muitos aliás, que foram para os hospitais e não voltaram.
Com uma das mais numerosas populações idosas do mundo, a Itália foi abatida pela Covid-19. E aquele verão de 2018 jamais vai se repetir na linda cidade que adora futebol e cujo time de maior expressão, a Juventus, vejam só, carrega o carinhoso apelido de A Velha Senhora.