O aniversário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, lembrado recentemente, no último dia 3l de outubro, representou para nós, os seus devotados leitores, a celebração de uma voz singularíssima da literatura brasileira. Lembro-me, como se fosse hoje, dos primeiros poemas que escrevi. Eram drummondianos, no modo medíocre de dizê-lo. É claro que os destruí, sem nenhuma relutância ou arrependimento. Drummond é único. Qual o sentido de copiá-lo? João Cabral, no seu primeiro livro, Pedra do sono, de 1942, homenageou-o, reconhecendo a sua influência com uma dedicatória. Esse livro, contudo, na sua poesia, é secundário, estando ainda longe de apresentar a dicção constituída de versos originais, rimas dissonantes e temas agrestes que só seria elaborada com rigor bem mais tarde – uma sintaxe que engrandece a arte poética e ao mesmo tempo a reinventa.
Com Drummond, se não me engano, permanece a melhor, a mais imprevisível e a mais duradoura palavra na poesia brasileira. Em todo o caso, bem ou mal, somos todos herdeiros da tradição que ele enriqueceu com o seu humor e a sua maravilhosa grandiloquência. E somos herdeiros em vários aspectos: de sua solidariedade com os humildes, de sua palavra múltipla e generosa, enfim, de seu modo engajado de escrever, intenso e original, tantas vezes enaltecido e jamais repetido por nenhum outro autor. Rosa do Povo, desse ponto de vista, é um livro que nos ensina várias coisas: o verbo e a ação, o ver e o sentir, o tempo e as contradições humanas.
O que admiro em sua poesia é a visão e o testemunho humanistas, sem os quais não saberíamos construir uma ideia simbólica do homem brasileiro, de quem, sem dúvida, Drummond foi o melhor intérprete. Embora, em inúmeras ocasiões, sobressaia em sua poesia um lirismo que se aproxima da transcendência, com beleza desmedida e sem rasuras.
Nessa altura da nossa vida republicana, se podemos chamá-la assim, em que a vulgaridade tornou-se oficial em todas as partes, a poesia de Drummond nos confronta naquilo que ela tem de mais essencial. Por quê? Por uma razão simples: Drummond traduz, na sua coerência e na sua crítica, o arquétipo do homem digno e honesto – ele que vivia para sua escritura, e com a qual projetava o surgimento do indivíduo que não fosse “partido”, consciente de sua cidadania e indignado com as injustiças que fazem da nossa sociedade uma das mais perversas.
Nesses 118 anos de seu nascimento, um fenômeno no mundo das letras deve ser comemorado como forma de homenageá-lo mais uma vez: há editoras em muitas cidades do Brasil que publicam exclusivamente livros de poemas, enquanto outras dão atenção especial ao gênero, sem querer com isso dizer que a Musa triunfará sobre as mentes ignaras. Ler Drummond, hoje, em voz alta, na escola, em casa, nas reuniões culturais, é um ato de resiliência e de libertação. Se o Brasil vive atualmente um retrocesso civilizatório, esperemos, pelo menos, que a Poesia ilumine milhares de cabeças por meio da educação e da leitura sistemática da obra do poeta de Itabira.