[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
A poesia e eu
Como é elástica a poesia.
Nela, alguns choram
outros clamam
há quem louve
ou denuncie.
Já eu,
eu uso a poesia
para conversar.
Converso muito
com os de perto
com os de longe.
Converso com tantos queiram
saber do ouro, da prata,
dos sonhos, das bravatas,
dos santos, da escória
até do doce e da melancia.
Converso muito.
Dou receitas,
esboço avisos
mas
principalmente
converso com tantos queiram
saber das toadas acumuladas,
nunca, nunca amanhecidas.
Quinquilharias (1997)
***
[2]
Paz
Só a sua?
É pouco
Só a dele?
É pouco
Só a minha?
Muito pouco
O Mundo é redondo
e por ser assim
sem quinas
sem esquinas
a PAZ não pode se deter
sobre telhados escolhidos
ou se distrair em becos
sombreados sem saída.
Tempos atrás
Poetas da Liberdade
causaram desassossego
clamando por justiça
decretando libertação.
Hoje
Poetas da Esperança
proclamam a PAZ
bem irrestrito
necessário e justo
pois que ela dá
a todo vivente
a condição certeira de
sem medo
compor
o trançado plural
da VIDA!
Coletânea (2018)
***
[3]
Da mulher lendeira
Hoje, não ouvi um tango argentino.
Preferi gerenciar cavalos cantantes.
É a minha vez de mulher lendeira.
Nas lendas que teço
deixo espaço para o destino
para uma inquietação
por vezes açucarada
que rói, rói, rói
até renascer palavra
fluida…
noturna…
azulada…
Entre verdades e mentiras,
vou. E vou a imaginar
confiantes histórias.
Como as dos santos,
as dos profetas
ou daquelas outras
que atravessam o agora
por séculos e séculos
afora.
Poemas sortidos (2010)
***
[4]
Entendimento
Não sou doutora de nada,
mas entendo de sentimento.
Sem grande valia,
de muita prestança.
Do vento,
conheço bem riso e pranto.
Do rio,
sei quando namora.
Da noite,
nunca perco o azul.
Repouso olhar cansado,
entrevisto silêncio rouco,
lavo traços de saudade
e muita coisa
e muito mais
sem acaso
e por querer
pois tudo que entendo e sei
não sei
é conversa afiada do sentimento.
Muitas luas (2003)
***
[5]
Prece de Natal para antes que o ano termine
Ah! Meu Menino!
Tu que És medida
de Justiça e de Bondade
Tu que És infalível
no Teu entendimento
antes que o ano termine
conversa comigo…
Conversa comigo
sobre linhas curvas e linhas retas
sobre o que pode ser fim ou começo
sobre fome do corpo e fome do espírito
sobre matas
desertos
sobre o que pode
vir a ser ou
simplesmente
sobre o que Tu achares
que eu deva saber.
Ah! Meu Menino!
Tu que És maior que tudo
alarga o meu sentir
preserva o meu discernimento
não me deixes afastar
do que Tu me dirias:
Sim.
Mas se por atribulação
algum desapontamento
um instante de melancolia
ficar difícil atender
esses pedidos meus
Ah! Meu Menino!
vela, vela por todos
moradores deste meu
imenso e desigual
Brasil!
Inédito (2019)
Heloisa Helena de Campos Borges nasceu em Goiânia (GO), em 20 de junho de 1948. É graduada em Letras Modernas Francês/Português e mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, onde ocupa a cadeira nº 30, presidiu a entidade por três mandatos consecutivos. Pertence também à União Brasileira de Escritores (UBE-GO). Foi integrante do Conselho Municipal de Cultura e do Conselho Estadual de Cultura e é membro do Conselho Editorial da PUC-GO. Foi cronista do jornal Diário da Manhã durante quatro anos. Entre poesia, crônicas e ensaios, publicou os seguintes livros: Quinquilharias (1994, poemas), Muitas luas (2003, poemas), Conversa.com verso (2007, poemas dialogados com Renato Castelo), Poemas sortidos (2008, poemas), A fome do mundo & outras crônicas (2018, crônicas) e Mais que simples palavras – v. I e II (2005, ensaios). Recebeu, em 2006, o Prêmio Colemar Natal e Silva, da Academia Goiana de Letras, por Mais que simples palavras – v. I. Recebeu também, da Academia Goiana de Letras, em 2018, o Troféu Goyazes Marieta Telles Machado, na categoria crônicas.