Nós estamos sempre lá. Depois de mais de um ano de pandemia, trabalhando por meio do tal “ensino remoto de emergência” (ERE) – ou qualquer outro nome “sofisticado” que se queira inventar para teletrabalho e “aulas on line” (coloco entre aspas porque francamente não sei se “on line” pode ser aula) –, ocorreu-me na semana passada um fato grave, cujo conteúdo gostaria de compartilhar para dele extrair alguma reflexão, um elogio, um manifesto, talvez. Reunido com o meu grupo de pesquisa – virtualmente, como tem sido desde o ano passado –, nossa reunião foi invadida por haters (odiadores), que, devido às suas típicas ações de violência, simplesmente impediram que ela se realizasse. A reunião foi cancelada apenas 15 minutos após o seu início. Resumo: uma reunião de pesquisa foi gratuitamente cancelada em razão do fato de que algumas pessoas, escondidas covardemente no anonimato do universo virtual, entendem que podem ou devem praticar esse tipo de terrorismo cibernético. O que essas pessoas não sabem é que nós estamos sempre lá.
Nós estamos sempre lá. O fato acima relatado suscita evidentemente inúmeras reflexões. Eu gostaria, no entanto, de propor apenas uma: a de que nós, profissionais da educação e da pesquisa (professores, técnicos e auxiliares), mesmo em tempos de pandemia, estamos sempre lá.
Nós estamos sempre lá. É claro que diante da enorme tragédia de saúde pública que nos cerca, da indescritível experiência de luto coletivo nacional, da enorme crise social e política que se instala e se aprofunda dia após dia, estamos, com razão, completamente tomados pela preocupação quase desesperada com o presente, o imediato, o “aqui e o agora”. Os tempos são difíceis, o ambiente, o tom, a lógica e o sentido de urgência/emergência dominam nossa linguagem, nosso comportamento, nosso pensamento. Mas e o futuro? Nós, profissionais da educação e da pesquisa, exatamente aqueles cujo resultado do trabalho é nada menos que o futuro, estamos sempre lá.
Nós estamos sempre lá. Se as escolas e universidades estão fechadas, isso não significa futuro cancelado, porque os ambientes de nossas casas, nossos e-mails, telefones, nossos aplicativos de mensagens, nossos vídeos e nossos textos estão sempre abertos, como aliás estão, na maior parte das vezes solitariamente, a nossa cam, o nosso áudio, o nosso conhecimento. Tudo permanentemente visível, acessível, repetidamente compartilhado e compartilhável. Até mesmo nossos animais domésticos, as pessoas e os barulhos da nossa casa – que simplesmente nada têm a ver com o nosso trabalho – estão frequentemente expostos, e sabe por quê? Porque nós estamos sempre lá.
Nós estamos sempre lá. Estamos na enorme lista de mortes e na lista maior ainda daqueles que choram os seus mortos, estamos, como todos, com medo, adoecidos, deprimidos, exaustos. Estamos na fila da vacina, estamos na sala de aula virtual, estamos em reunião, estamos atendendo os nossos alunos e estamos mergulhados no velho e imenso trabalho técnico-burocrático que o ensino on line simplesmente quadruplicou; e ainda assim, nós estamos sempre lá.
Nós estamos sempre lá, lidando diariamente com as consequências gravíssimas que a pandemia impôs à educação e à pesquisa, contornando ao máximo possível a série de dificuldades que se impôs ao nosso trabalho. Não estamos simplesmente nos “reinventando”! O que sempre fizemos e continuamos fazendo é muito mais que isso, nossa tarefa, nosso trabalho, é da ordem da criação, no sentido fortemente estético do termo. O que estamos fazendo é criando condições para que o presente não se perca completamente, criando formas de evitar, de minimizar, o prejuízo educacional, já incalculável, imposto à geração atual, criando meios para manter hoje alguma perspectiva de futuro possível, é por isso que nós estamos sempre lá.
Sim, nós estamos sempre lá. Venha o que vier: pandemia, terrorismo cibernético, a mais brutal incompetência política, ódio ao conhecimento e aos profissionais da educação, seja como for, saibam todos: nós estamos sempre lá.